Esboço de uma psicanálise da violência de gênero e do trauma psíquico

  Primeiro postulado: toda violência de gênero sofrida por um indivíduo é também, simultânea e necessariamente, uma violência social. A paráfrase da célebre frase de Freud em Psicologia das massas e análise do Eu, “a psicologia individual é também, simultaneamente, psicologia social”, encontra seu melhor endereço nas discussões sobre violência de gênero e traumatismo psíquico. Explico-me: uma jovem abusada sexualmente, uma mulher vítima de violência doméstica ou desrespeitada no ambiente profissional, uma pessoa não binária importunada nas ruas, uma deputada que tem sua beleza questionada no plenário do Congresso nacional, uma mulher madura condenada pela sua sensualidade e, caso-limite, uma vereadora negra assassinada são, evidentemente, indivíduos agredidos em sua integridade física e moral; mas só o são em um contexto sociocultural complacente, ou mesmo incitador, dessas modalidades de violência de gênero. Ou seja, a violência de gênero é recorrente apenas em uma cultura caracterizada pela valorização de traços característicos do estereótipo do homem heterossexual – assertividade viril, desejo de poder e agressividade supremacista – concebidos como virtudes e pelo consequente rebaixamento de todos os que não se enquadram nessa categoria. Resumindo, uma cultura patriarcal, machista, misógina, capacitista, LGBTfóbica, competitiva, segregadora e… traumática. Para o leitor que ainda não está convencido desse primeiro postulado e de sua demonstração, imagino que basta evocar as figuras que têm mobili