E quando o rei está nu?
Ilustração de Hans Tegner do conto de fadas de Hans Christian Andersen (Reprodução)
Há algo em comum entre certos analisandos, considerados “difíceis”, e as personagens que, segundo Freud, nos fascinam pelo seu narcisismo exacerbado e aparentemente inabalável – a bela mulher, a criança, os gatos, os grandes felinos e os grandes criminosos, os humoristas. Justamente, a sua “inacessibilidade”. No entanto, se as figuras autossuficientes evocadas por Freud em “À guisa de introdução ao narcisismo” como detentoras de “coerência narcísica” suscitam nossa inveja, os analisandos inabordáveis impõem-se como o pano de fundo da sistematização da teoria do narcisismo, e como o maior desafio à clínica psicanalítica.
Na confissão de Freud, foi a tentativa de compreender as manifestações psicóticas que o conduziu a formular a ideia de um “narcisismo primário e normal” no desenvolvimento da libido. É a partir da unidade egoica suscitada pelo narcisismo primário que se podem constituir os investimentos objetais que, por sua vez, pressupõem a transposição da libido do Eu em libido de objeto. No entanto, nos primórdios do processo de subjetivação, as pulsões encontram satisfação no autoerotismo, e Freud postula a necessidade de uma “nova ação psíquica” para que se constitua o narcisismo, capital da libido. Por uma espécie de transmissão transgeracional, o investimento idealizado dos pais sobre o bebê, que tem a função de resgatar a onipotência já esmaecida dos primeiros, é o responsável pela emergência da entidade que, agora, concentra em si todos os privilégios diante das forças que constranger
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