“Justiça interrompida”, de Nancy Fraser, e outros lançamentos
No epílogo do romance, que serve à guisa de prólogo de Apartamento 351, o leitor já é ambientado no cenário noir da obra: um homem anda sozinho pelo seu apartamento, de paredes recém-pintadas, escancara todas as portas da casa, proclama sua felicidade ao ar enquanto caminha por um piso tomado de sangue. Da esposa, há apenas a menção de estar deitada e ter um “coração gelado”. Com inspiração no cinema, o livro de estreia de R. A. Rocha adentra na relação do casal em seu novo apartamento, transformado em um “inferno sensorial” a partir da descoberta de um caderno escondido.
Dividido em cinco partes – “território (raiva)”, “as minhas amigas”, “memória (território)”, “maternidade” e “montenegro” –, o novo livro de poemas de Maria Clara Escobar traça uma cartografia das dificuldades enfrentadas pela mulher brasileira. “a vida da mulher é solitária / quanto mais ela for gente / mulher / mas só é // senão fingindo ser outra / na calada da noite podendo ser / ela”, como registra em um dos poemas da primeira parte. Carla Kinzo, que assina a orelha do livro, assim percebe esses territórios mapeados e escrutinados pela poeta, que também é cineasta: “Os terrenos que vamos conhecendo no livro, suas zonas de conflito e contradições, dizem respeito aos lugares que ainda conseguimos mapear, conhecer e separar por fronteiras, mas também (e sobretudo), são os espaços silenciosos, sombrios, por vezes invisíveis, que grudam nos corpos, nas memórias e nos desejos daqueles que ainda encaram as ruínas, as coisas que se despedaçam”.
Entre o Rio de Janeiro, Porto Alegre e uma pequena cidade gaúcha fronteiriça, Tailor Diniz tece seu novo romance, interligado pela história de um menino cujo pai desapareceu e nunca foi encontrado. As demais personagens da trama são conectadas por um passado em comum que ressurge após três décadas, remetendo ao regime ditatorial brasileiro de 1964. Apesar do tempo histórico bem definido, o romance se desdobra nos interditos e nas ausências, nos “diálogos e seus silêncios, como se fosse a água de um rio subterrâneo a correr paralelamente com as múltiplas vozes que se manifestam”, conforme o texto de orelha.
O novo livro de poesia de Ricardo Carranza reúne 29 poemas que, como nota Rodrigo Bravo no prefácio, escolhe sons como se fossem pigmentos para compor obras plásticas. A influência artística do autor, que também é editor da revista 5% Arquitetura+Arte, pode ser notada igualmente na construção imagética dos versos, que remetem a paisagens e fenômenos naturais como a luz, o sol, o vento, a chuva e o fogo. Como nota Rodrigo Bravo, é uma costura poética em constante diálogo com outras formas artísticas e novas dimensões da língua. “Desde suas obras anteriores já é possível verificar o zelo com que o poeta ‘pinta’ suas cenas com ritmos e sílabas”, anota Bravo.
Reunião de artigos da filósofa norte-americana Nancy Fraser. Aliada à Teoria Crítica, Fraser reflete sobre o lugar e os caminhos da esquerda em um mundo marcado pela queda das utopias socialistas e pelo exponencial avanço das novas direitas. Na análise da autora, pensar a esquerda e uma crítica à desigualdade hoje envolve uma superação das dualidades entre cultura e socioeconomia, entre o simbólico e o material. Como escreve a autora, o objetivo de seus artigos é “atravessar com o pensamento a condição ‘pós-socialista’ com a esperança de sair do outro lado”, de maneira a “abrir caminho para um outro pós-socialismo’, um pós-socialismo que incorpore o que permanece insuperável no projeto socialista ao que é irretorquível e defensável na política de reconhecimento”.