Orgulho em destoar
Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de junho de 2021 é “orgulho”
Destoar. Não se encaixar. Não se sentir inserido ou se sentir excluído. Ausência de sentimento de pertencimento. Quem nunca?!
Já nem sei quantas vezes me senti sozinho, triste e sem esperanças nesta pandemia; ou quantas vezes chorei; ou quantas vezes me emocionei ao ler ou ver os noticiários sobre as mortes por Covid-19 ou sobre o negacionismo de quem deveria ser o primeiro a proteger seu país; ou quantas vezes me revoltei em simplesmente ler os nomes “Bolsonaro” e “cloroquina” juntos nas manchetes; ou quantas vezes tive de explicar o óbvio: usar máscara, fazer distanciamento social (por mais penoso e cruel que seja) e usar álcool-gel é muito mais do que a nossa nova triste realidade. É a nova forma de demonstrarmos amor pelo próximo. É dizer: eu me preocupo comigo e contigo.
Perdi as contas de quantas vezes tentei entender como alguém pode continuar apoiando um Messias às avessas e seu governo que, em vez de pregarem a união e proteção de seus cidadãos, de zelarem pela vida e pela saúde da população, de incentivarem a ciência, a tecnologia e a medicina, nada mais fizeram do que dividir o país num campo minado ideológico, além de dar sucessivos maus exemplos de aglomeração sem máscaras, enxertando militares em diversos órgãos administrativos federais, apoiando fechamento do STF ou deslegitimando quem critica sua postura política na luta do Brasil versus coronavírus.
Faço cotidianamente um esforço hercúleo para entender como esse tal “cidadão de bem”, que veste a camisa da seleção, vomita impropérios a quem pensa diferente dele e berra enfurecidamente “intervenção militar já” pode defender a moral, os bons costumes, a família e a religião e, ao mesmo tempo, concordar com um presidente que diz “vamos metralhar a petralhada” (sic). Religião e violência não poderiam caber na mesma frase. Nunca. Jamais. O que Jesus disse à beira da morte? Foi “Pai, derramai sobre eles a tua cólera” ou ele pediu misericórdia aos seus próprios assassinos?
Também não consegui encontrar na Bíblia a parte em que Deus manda excluir quem for diferente (leia-se: os gays ou os tais “esquerdopatas”). Afinal, a palavra de Deus é excludente ou inclusiva? Deus mandou odiar o próximo ou amar o próximo?
Mesmo os argumentos mais lógicos são inócuos a estes indivíduos impermeáveis ao bom senso, à lógica e à razão. Por mais que nos esforcemos para tentar abrir os olhos dos bolsonaristas, o resultado final é sempre o mesmo: “mas e o Lula?”.
Me entristece profundamente perceber que nosso país está mergulhado na barbárie, no individualismo, na indiferença, na crueldade e no sadismo em mandar os “esquerdistas” saírem do país, serem presos ou “fuzilados”; ou em ver o pobre arriscando a sua vida para poder comer o “pão nosso de cada dia” em nome de um bem maior chamado “economia”, enquanto o tal “Centrão” é comprado com orçamento paralelo na faixa dos bilhões de reais; em assistir passivamente aglomerações sem máscaras por aquele que deveria ser o primeiro a dar o exemplo; em contabilizarmos nossos mortos sem qualquer empatia. O 7×1 da Alemanha foi mais sentido que os quase 500 mil mortos. Prioridades. . .
Os mesmos que pedem intervenção militar, que balbuciam “vai para a Venezuela” ou “nossa bandeira nunca será vermelha” são os que lotam os bares, restaurantes, praias e lojas. . . São os mesmos que se aglomeram, que sonegam impostos e querem favores do governo, que dão as costas à dor do próximo que tem seu parente agonizando por falta de ar nos hospitais ou que acham normal as incursões policiais violentas e de extermínio nas favelas e que, mesmo com inocentes morrendo, sentenciam “tudo bandido!”.
Nessas horas, meus filhos são meus remédios. Olho para eles. Observo-os brincando, sem a inteira noção da realidade e os invejo. Tento me contaminar com esse “vírus”: o da inocência, o da ingenuidade e da felicidade de uma criança para tentar fugir um pouco da realidade. Penso que é para eles que tenho a obrigação de criar um mundo inclusivo, de igualdade e de justiça. Não quero que eles percam essa felicidade nos olhos e na alma. Não quero que eles se tornem indiferentes à dor do próximo ou que enxerguem o outro como um inimigo ou como um adversário. Quero que eles enxerguem no próximo um irmão. Quero um mundo globalizado e inclusivo em que eles possam achar suas respectivas tribos, e no qual eles se sintam incluídos, como uma parte do todo. Em que eles tenham a sensação de pertencimento.
Assim, se você é como eu. Se você se sente sozinho nesta luta diária contra a pandemia, contra o bom senso e contra as noções de certo e errado, te digo: se orgulhe em destoar!
Certa vez li uma frase que dizia: “se você sente que não faz parte deste mundo, é porque você veio aqui para mudá-lo”. É bem isso. . . Sinta-se abraçado por mim, irmão. Estamos juntos! “Ninguém solta a mão de ninguém”! Vamos transformar o mundo num lugar melhor e que comecemos pelo começo: pelo voto. . . Vem logo 2022!
Guilherme Dias Trindade, 36, mora em Santos, SP.
É advogado, esquerdista e comunista com orgulho.