Onde mora a minha solidão?

Onde mora a minha solidão?
(Foto: Amy Welting/Unsplash)

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2020 é “solidão”.


Nunca tive problemas em ficar sozinha. Fui daquelas crianças que imploravam aos pais para ficar em casa quando saiam. Não sou filha única, só que a minha irmã é quatro anos e meio mais velha do que eu: na infância isso faz uma baita diferença! Além disso, temos personalidades muito diferentes (ela se interessava por livros e histórias em quadrinhos e eu por brinquedos e músicas). Assumo que ocupei a vaga da chata caçula, a Dani (minha irmã mais velha) nunca se ocupou em brincar comigo e isso, nem de longe, foi um problema. Brincava sozinha e era maravilhoso. Acostumei-me desde cedo em ser a minha própria companhia.

Também é importante dizer que eu não sou o tipo introvertida, muito pelo contrário. No decorrer desses 38 anos, sempre tive excelentes amigos (a ponto de sofrer com a escassez do tempo para dar-lhes a merecida atenção).

No trabalho, pesquisei, escrevi dissertação e tese no aconchego e conforto do meu lar (que agora é home-office) com o meu companheiro músico pelos bares da vida. Passar meses sem dar um abraço em uma amiga já fazia parte da minha rotina. Como boa carioca, sou adepta do “vamos marcar”.

Sendo assim, por que cargas d’água resolvi escrever um texto sobre solidão? Não seria hipócrita e oportunista? A resposta é que me sinto sozinha no ato de isolar-me. Sinto falta do coletivo isolado em prol de vencermos um mal maior. Ouço festas e churrascos da minha casa, periferia do Rio de Janeiro, e me bate uma solidão enorme. Aqui nunca existiu quarentena. A sensação é que estou lutando contra uma maré e ninguém me dá a mão. O coletivo não conta. Mais de cem mil mortes não importam. Fazer o isolamento me apresentou uma solidão que não conhecia, mas já existia: o individualismo como fator predominante. Ser a única a fazer quarentena no seu bairro é de uma solidão sem tamanho. É ter a certeza de que pensar no outro caiu em desuso e isso dói.

Outro dia li em uma rede social uma frase um tanto quanto pretensiosa, que não tinha o nome do autor (nem Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu ou Luís Fernando Veríssimo levavam o crédito), e caso alguém saiba, me informe! A máxima era: tem que ser imenso para saber ser sozinho. E logo pensei que não sou imensa porque ninguém é imenso sozinho. Como disse Beto Guedes e Ronaldo Bastos, “vamos precisar de todo mundo pra banir do mundo a opressão/Para construir a vida nova vamos precisar de muito amor… ” Precisamos de todo mundo, precisamos construir a vida nova!

Dedico esse texto à grande dama Oseth Lopes de Andrade, uma das mais de cem mil vítimas da covid-19. Sua passagem pela Terra fez o mundo melhor.

 

Maria Gabriela Bernardino, 38, mora em Bangu, RJ, e é mãe de um lindo cocker spaniel. Historiadora e escritora em construção.

 

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