O livro das ilusões
Harold Bloom em 1994 (Foto: Ted Thai/The Life Picture Collection/Reprodução)
O crítico literário norte-americano Harold Bloom, para a comunidade acadêmica de seu país rotulado como liberal, é um intelectual conservador, incapaz de aceitar não ser a cultura ocidental superior a tudo, como o passado já fez possível acreditar. E, hoje, para os setores mais ativos do conservadorismo político dos Estados Unidos, ele é tido como um liberal festivo, que promove supostos atos de resistência contra as ações da atual presidência da nação.
Mais do que uma confusão em torno de definições ideológicas claramente reducionistas, a descrição do lugar ocupado por Bloom é um resumo da experiência de uma geração de escritores, professores, autores, enfim, que atravessaram a história no delicado balanço de forças criado a partir da Guerra Fria, do conflito no Vietnã, da contracultura, do aparecimento da French Theory no meio universitário anglo-saxão, do assassinato de Kennedy, da renúncia de Nixon, do fim do império soviético, da globalização e do suposto “choque de civilizações”.
Autor de A angústia da influência (Imago), Gênio, O cânone ocidental ou Shakespeare – A invenção do humano (todos lançados no Brasil pela ed. Objetiva), dentre outras obras, Bloom está vivamente preocupado não apenas com o que a América pode fazer ao mundo, mas, ainda, com aquilo que os norte-americanos tendem a fazer a si mesmos em um momento “extremamente grave”, como disse em entrevista à CULT, por telefone, de sua residência em Connecticut.
Harold Bloom, 74 anos, nasceu na cidade de Nova York e, depois da formação feita em Cornell, terminou seu doutorado em Yale, onde se tornou professor em 1955. Suas ideias sobre a poética e a criação ajudaram a minar certa tradição nos estudos críticos. Mas, neste ano, ele se tornou um nome conhecido fora do círculo que frequenta ou combate suas teorias. Em abril ele publicou, na revista Vanity Fair – circulação de cerca de 1 milhão de exemplares a cada mês –, um pastiche de Macbeth, de Shakespeare: a peça “MacBush”, que faz do presidente George W. Bush um imperador com sangue nas mãos.
Uma pedra atirada contra o poder. O gesto de um conservador intelectual liberal norte-americano.
CULT – O sr. escreveu e publicou na revista Vanity Fair uma peça, uma paródia de Macbeth, de Shakespeare, tendo como personagem o presidente dos EUA. Esse foi seu ato de engajamento contra o atual momento político em seu país?
Harold Bloom – A peça foi escrita como um ato de fúria, de indignação, que pudesse começar a se opor ao ultraje, à fúria, à real fúria, de Bush, Dick Chaney (vice-presidente dos Estados Unidos), Donald Runsfeld (secretário da Defesa) ou Paul Wolfowitz (secretário adjunto da Defesa) e sua guerra. Mas não escrevi a peça como um ato de engajamento, de maneira nenhuma, e sim como um comentário, sardônico, sobre o momento absurdo pelo qual estamos passando.
Mas há uma tradição na cultura norte-americana de intelectuais, escritores, ativos politicamente, como, na década de 60, foram Norman Mailer ou o poeta Allen Ginsberg.
Ginsberg está morto há algum tempo, e Mailer, com o peso da idade, não é muito fácil de ser visto publicamente.
E não há autores que estejam ocupando esse espaço?
Eu diria que não. Nossos melhores autores, como John Ashbery, nosso melhor poeta em atividade, totalmente distante de questões sociais, ou os romancistas Philip Roth e Don Delillo, não estão, realmente, muito engajados.
O que acontece agora no meio intelectual norte-americano?
Não há nos Estados Unidos o que você poderia chamar de “meio intelectual”. O mundo literário e o mundo político estão virtualmente separados um do outro, em um andamento muito diferente, eu sei, do que pode ser encontrado na Europa.
O mesmo pode ser dito da comunidade acadêmica?
É muito difícil generalizar o país em questões como essa, sobre o que se passa nos campi; só podemos, na verdade, imaginar como os intelectuais estão se comportando. Os Estados Unidos são uma nação muito grande, e seria necessária uma sensibilidade de proporções semelhantes para saber o que está acontecendo.
Mas, de qualquer maneira, há fortes vozes contra certas ações e procedimentos do atual governo norte-americano. H.B. – Sim, claro, há movimento, demonstrações públicas de desacordo, mas a questão é saber quanto isso pode simbolizar o verdadeiro sentimento da nação. Há muito, muito medo por aqui, medo de um outro ataque que pode ser
made in usa feito pela Al-Qaeda. Eu faria um prognóstico, um bastante triste: eu diria que Bush será reeleito.
Os escritores norte-americanos começam agora a produzir livros sobre esse momento da história norte-americana?
Sim, isso acontece agora, apesar dos obstáculos desse tipo de projeto. Esse é um momento difícil, e acho que os escritores terão dificuldades em escrever sobre o quão ruim é essa administração, o quão simplista e gananciosa ela é.