Gide Revigorado
Novas traduções de seus romances consagrados e dois livros inéditos no Brasil revigoram a obra do desconcertante escritor francês
Wilker Sousa
Autor cujas inquietações estilísticas e morais puseram em xeque alguns dos pressupostos canônicos da literatura e da sociedade, André Gide (1869-1951) ocupa lugar cativo entre os nomes decisivos para a arte do século 20. Em terras brasileiras, sua obra é revigorada por meio dos lançamentos da editora Estação Liberdade. São apresentadas ao leitor brasileiro novas traduções de dois de seus principais romances, além da publicação de dois livros inéditos. As traduções dos romances Os Porões do Vaticano e Os Moedeiros Falsos vieram em um momento oportuno, acredita o crítico Silviano Santiago, autoridade brasileira nos estudos gideanos: “A tradução de Os Porões do Vaticano era razoável e trazia um título que julgo mais rico em ressonâncias simbólicas, Os Subterrâneos do Vaticano. Já a tradução de Os Moedeiros Falsos, apesar de feita por Álvaro Moreira, deixava a desejar para o leitor jovem”.
Acompanhados desses dois trabalhos, estão os inéditos O Pombo Torcaz e O Diário dos Moedeiros Falsos. O primeiro é um relato lírico de Gide a respeito da noite seminal que teve com o adolescente Ferdinand, em julho de 1907. Os manuscritos foram encontrados pela filha do autor, Catherine, que decidiu publicá-los. Na contramão de críticas mais puristas, que podem tachar o conto de lascivo, Catherine acredita que “a convivência dos dois parceiros nos comunica uma sensação de frescor e poesia, e o conto transmite ao leitor a emoção da descoberta erótica, a alegria da cumplicidade, a vitória do desejo e do poder partilhados”, como assinala na introdução do livro. Já O Diário dos Moedeiros Falsos traz o registro ímpar de Gide sobre o período de gestação de sua obra-prima. Se em Os Moedeiros Falsos há o processo de mise-en-abyme (jogo de espelhamento metalinguístico em que a narrativa discorre sobre si mesma), com esse diário o leitor tem a oportunidade de conhecer esse processo levado ao extremo, pois pode-se compreender internamente a urdidura desse romance decisivo para a literatura do século 20. Para Silviano Santiago, “a leitura conjunta do romance e de seu diário pode trazer conquistas inestimáveis para os jovens autores brasileiros”.