Sabotagem
(Foto: Masaaki Komori/Unsplash)
Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2020 é “solidão”.
O silêncio da solidão ajuda na viagem;
a rota é certeira; o destino é o dentro;
E, repentino, a voz interna ressona culpa;
— pútrida, fétida,
corrompida, estragada –
Sem a porta bater, nem licença pedir;
adentra a sabotadora interna;
que habita em mim e em ti;
— insegura, maldosa,
antiquada e invejosa —
E vem com seu passo apertado,
febril, louca e indevida,
espalhando tristezas impávidas.
— insuportável, ridícula,
indigna, mentirosa —
E sem baixar, por um segundo, a guarda,
infere, com pose de mandona,
hostilidades em ritmo de sanfona.
— impertinente, egoísta,
farsa irremediável —
Muitas vezes, tem a voz da mãe que tive,
quando em excesso me criticava
e por bobagens me soçobrava.
— inconveniente, inconsequente
inepta e abestalhada —
Hoje, repito essas mesmas vozes,
sem, ao menos, desviar o olhar.
E duvido de mim mesma sem pestanejar.
— desatenta, desastrada,
destrambelhada e esquecida —
Me chamo de coisas perversas.
E driblo empatia ou bondade
enquanto me encho de controvérsia.
— interesseira, insolente,
maliciosa e demente —
Então, o dia acinzenta ânimos
e todas as coisas ficam, repentino, tristes.
Todas, todas: sem breve despiste.
Luana Braga, 43, é de Belo Horizonte, mas mora em
Fortaleza, onde trabalha como funcionária pública