Respeito, diálogo e amizade

Respeito, diálogo e amizade

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2021 é “respeito”


Respeito é a consideração que um ser humano tem diante de todos os seres vivos. Implica, portanto, em respeito para com a Vida, e para com a vida de cada um. Diante da abrangência do significado da palavra, pretendo me ater à relação entre Respeito e Diálogo.

No prólogo de Sobre a amizade e outros diálogos, em parceria com Osvaldo Ferrari, J. L. Borges afirma: “Uns quinhentos anos antes da era cristã aconteceu na Magna Grécia a melhor coisa registrada na história universal: a descoberta do diálogo”. Se tal descoberta é tão antiga, por que ainda é tão raro que seja praticada, tão difícil de se realizar?

Montaigne, no ensaio intitulado Da arte da conversação, assinala que “o mais proveitoso e natural exercício de nosso espírito é, em minha opinião, a conversação. Acho sua prática mais doce do que qualquer outra ação de nossa vida; é a razão por que, se agora fosse forçado a escolher, creio que antes concordaria em perder a visão do que a audição ou a fala”.

A dificuldade maior para se estabelecer uma conversa começa com a dificuldade de escutar. Borges poderia ter dito que a grande descoberta, na realidade, foi a arte de escutar. Na epígrafe do Ensaio sobre a cegueira, Saramago adianta que “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. Uma paráfrase possível: se podes ouvir, escuta; se podes escutar, repara. O verbo reparar tem duplo significado: prestar atenção, mas também consertar. Este pode ser um dos efeitos do ato de ouvir-escutar-reparar, sobre aquele que fala – o efeito reparador. De certa maneira, reparar aqui está bem próximo de cuidar, pois quem ouve-escuta-repara, cuida. Pode-se então estabelecer o início de uma conversa.

Para que se desenvolva o processo ouvir-escutar-reparar é necessário, antes de tudo, respeito por aquele que fala. Tal respeito implica atenção, cuidado, intensa consideração pelo que é dito e por quem diz, mesmo que se tenha opinião diversa; implica em genuíno e sincero interesse, para que ao fim do processo seja possível pensar e responder.

Não basta ouvir para que se estabeleça o respeitoso diálogo; é preciso responder, manifestar-se, expor-se, ressoar, vibrar em consonância diante daquilo que foi escutado. Agora as coisas começam a se complicar: ouvir, escutar, reparar, e responder em consonância. Permanecer em silêncio diante da fala do outro nem sempre é sinal de respeito. Ao contrário, pode constituir manifestação de arrogância, de pretensa superioridade, quando se configura mesmo o desrespeito. A resposta equilibrada e com o adequado afeto exige sempre respeito pelo outro.

Prossegue o diálogo, a palavra retorna agora àquele que primeiro falou, e aquele que primeiro ouviu torna a escutar. Parece tão simples, pois, conversar! Porém, Narciso – outra invenção dos gregos – se intromete. Ainda que seja antiga a prática da conversa, o tempo da crueldade narcísica é mais antigo. Já não se ouve, muito menos se escuta, e a resposta não vem em consonância; desconversa-se, desanda o diálogo. A contenção narcísica demanda respeito.

Encontros com diferentes propósitos, culturais, políticos, científicos, os chamados congressos, ocorrem com o pretexto (legítimo) de se trocar ideias sobre os mais diversos temas. Com frequência, de fato, trocam-se ideias: porém, cada um sai dos encontros com as mesmas ideias de antes. Difícil, e muito mais interessante, é trocar de ideias, abrir mão de um ponto de vista em favor de outro, o que pode significar efetivamente uma transformação. Para tanto, é necessário, aprioristicamente, respeito pela opinião diferente.

No citado livro de Borges e Ferrari, e não de maneira fortuita, a palavra diálogo vem acompanhada da palavra amizade. Reunir diálogo e amizade só é possível através do perseverante respeito mútuo. Guimarães Rosa, em sua simplicidade e gênio, afirma: “Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é”. Porque, digo eu, há respeito mútuo.

Conversar com um amigo é outra coisa! A amizade constitui-se então em uma condição facilitadora do diálogo, especialmente pela existência de intimidade, confiança, natural e espontâneo respeito. Desarmam-se os espíritos. Concordar ou divergir tornam-se nada mais que qualidades intrínsecas do diálogo, nunca uma ameaça, mesmo que isso represente um “sacrifício” narcísico. Uma conversa entre amigos tem o poder de transformá-los; acrescento, ela é terapêutica. E está sempre a exigir respeito.

 

André Luiz Vianna, 74, mora em Brasília. É médico, PhD pela
Universidade de Londres, professor aposentado da Universidade
de Brasília, psicanalista formado pela Sociedade de Psicanálise de
Brasília, filiada à IPA.

 

 

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