Pandemia
Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de dezembro de 2021 é “angústia”
O mundo está invertido. As casas fechadas, os vizinhos não se falam, as cidades estão vazias e Fernanda não consegue se adaptar. Falar com quem, só via satélite, lives estão na ordem do dia e máscaras cobrem todos os rostos. Então ela desiste, a geladeira já não responde o que ela fala e o comutador emudeceu sem bateria. O técnico? Sumiu todos sumiram. Fernanda já não se olha no espelho, já não tinge o cabelo, já não corta as unhas. Para que? Voltara aos tempos da caverna, atira nas pombas e nos pássaros que vem procurar comida. Eles são a sua comida. Descobre que saladas de flores são comestíveis, e quase já não há rosas nas floreiras e crisântemos nos vasos. Sua roupa já não serve então adere aos vestidos longos e largos usados na praia. Sua circunferência é redonda, seus seios já não cabem nos soutiens e esparramam-se pela barriga grande. A televisão ainda resiste, e vê as novelas antigas pois não há novos programas, já não há mais dinheiro no mundo. O país não tem mais governo, os governantes morreram de peste. O mundo volta aos primórdios, vazio e sem sentido. Então se atira no espaço do decimo andar de seu prédio. O ar rarefeito a segura no ar. E se o mundo voltasse ao normal, poderia ver dançando no ar a figura de longos cabelos e vestes esvoaçantes.
Porém a solidão não se cura com estados de desespero.
Apesar do personagem do texto resolver-se pela tragédia o ato não surtiu o efeito desejado apenas resultou em algumas costelas quebradas pois um toldo da entrada do prédio serviu de anteparo. Porém o ato resultou em uma descoberta. No hospital onde se recuperava descobriu esquecido no fundo de uma gaveta um exemplar de um desses livros de autoajuda. E seu divertimento ali no isolamento do quarto e na esperança da cura seguiu os conselhos aleatórios do autor. E se viu escrevendo sobre suas angústias o que resultou num belo compêndio de confidências. E a maior descoberta foi o prazer das palavras que a reflexão produz. E a pandemia foi a auxiliar da cura ao invés da morte. Porém um último pensamento atravessou a sua mente. E o ultimo ato ao sair do quarto de sua recuperação foi atirar pela janela a descoberta de sua recuperação.
Nilza Amaral Antunes de Souza mora em
Campinas, SP. É vegetariana e escritora,
com livros publicados no Brasil e no exterior.