Os dias eram assim…

Os dias eram assim…
(Arthur Timótheo da Costa/Reprodução)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de março de 2020 é “racismo”


Em tempos de coronavírus, o preconceito é o “vírus” que mais mata. Ser uma bicha preta periférica nesses tempos de caos e isolamento, faz com que muitos sentimentos aflorem dentro de mim. O medo de adoecer e não ter ninguém que cuide de mim, pois diferente de muitos que estão cercados de seus familiares, não tenho esse privilégio. Penso não só em mim, mas na grande parte da comunidade LGBTQ negra. A grande maioria em lugar de abandono emocional e social.

Voltando um pouco atrás, ano passado criei um perfil chamado “pretas bixas” no Instagram, com o objetivo dar voz aos “meus”. Refletindo sobre o nome que daria ao projeto, optei por inverter o “bixa preta”, pois quando as pessoas me olhavam, no primeiro momento enxergavam um homem negro cis, mas quando eu abria minha boca, descobriam que eu era uma “preta bixa”.

O que me machuca um pouco é que vivemos o tempo todo em busca de algo que deveria ser natural e acessível a todos nós, o afeto. Eu tenho consciência que não são todas as “pretas bixas” que não acessam o afetivo, pois o buraco é mais embaixo. Quando falo sobre isso, me refiro aos padrões estéticos e comportamentais.

Quando acessamos o afeto, sendo fora desses padrões, o grande perigo de estar em um relacionamento tóxico pode ser real. Não temos até então o afeto construído de forma saudável em nós, pois não se fala de amor para uma preta bixa.

A construção do afeto na comunidade LGBTQ sempre foi branca e padrão. Nos aplicativos, ser um homem negro é estar sujeito a objetificação do seu corpo, mas ser um homem negro gay, gordo e afeminado, isso nos coloca em um lugar de exclusão dentro da comunidade LGBTQ.  Pois o machismo, a gordofobia e o racismo estão lá o tempo todo.

Só que justamente nesse momento de caos que estamos passando, o afeto e empatia fazem muita falta. Fiquei igual um desesperado procurando por álcool em gel nas farmácias e não encontrei em nenhuma. Já lidando com a minha crise de ansiedade, pois me veio à tona que não tinha recursos para o mínimo da proteção que está sendo recomendada. Sabemos que a população negra, periférica e favelada vai ser a que mais sofrerá com os efeitos sociais que o coronavírus coloca em pauta, e dentro dessa população estão os LGBTQ negros. Já vivendo na sua “quarentena” habitual, pois ser uma preta bixa é ser resistência o tempo todo.

Diego Mesquita, 30, é criador do perfil @pretasbixas no Instagram, fotógrafo e morador do subúrbio do Rio de Janeiro

 

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