O silêncio que grita
Certo dia chamei meu falecido pai, por um lapso, esquecendo que ele morreu há pouco mais de um mês. Mantive o olhar fixo em direção à sua cama – eu não conseguia enxergar a parte em que ele dormia por conta da minha localização no quarto – e não me mexi.
Percebi um misto de sentimentos que consigo identificar somente agora, no decorrer desse registro, como o medo: e se ele responder de algum lugar?
A confusão: e se ele ficar triste por eu o estar chamando enquanto ele segue na tentativa de se adequar ao novo ambiente que habita? Como o esperado pela religião que habitava sua fé.
O ceticismo: e se, na verdade, estou me inundando sozinha? Isso é a realidade.
A esperança: e se ele estiver acompanhando o meu desespero choroso pela sua ausência? Isso é uma quimera.
A sensatez: reconheço a nostalgia de uma parte infantil ancorada no imaginário, tentando reivindicar o lugar da razão, trocando-a pelo aconchego da religião – que é do outro, não minha.
(…) Mas, e se…? Antes de terminar de elaborar essa nova dúvida, percebi que ele não respondeu. Apenas um silêncio mortífero atravessou meu espírito.
Algo remexeu dentro de mim, e percebi que estava triste. Aquela dor, que havia se travestido de saudade, agora se desnudou. Eu a percebi diante de mim: o incognoscível implorando decodificação. E apaziguou frustrada mediante minha incapacidade psíquica de compreendê-la.
Abandonei a razão, e revelou-se um desejo de outros tempos: a busca por amparo. O anseio por um lugar de conforto nas possibilidades, quando no real o silêncio gritava refletindo minha perda, minha falta, meu vazio, meu luto. O sentimento inexorável que me atormentava era uma dor sem precedentes subjetivos. E a senti.
Era dura,
Silenciosa.
Caroline Carzer, 27 anos, é estudante de Psicologia e Psicanálise