O racismo e os padrões de beleza

O racismo e os padrões de beleza
(Foto: Mídia Ninja)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de março de 2020 é “racismo”.


Dentre todas as formas de preconceito, o racismo é de longe o que mais me toca, me dilacera, me faz chafurdar em desesperança e desacreditar absolutamente da humanidade.

Centenas de anos de escravização, teorias da eugenia e investidas vorazes nessa ideia estúpida de distinção racial criaram um dano irreparável, um abismo entre seres biologicamente idênticos, afinal não existe sangue alemão, sangue italiano ou nigeriano, existe apenas sangue A, B, AB e O em qualquer grupo de seres humanos.

Ainda que hoje todas as formas de preconceito sejam recriminadas e acarretem em penalidades, o racismo velado ainda parece inerente a muitas famílias, é preciso uma boa dose de conhecimento e reflexão para desconstruir conceitos aprendidos no próprio núcleo familiar.

O padrão de beleza europeu, tão valorizado no Brasil, é um traço muito marcante do racismo velado que vivemos nos dias de hoje. Existe uma distorção absurda no que tange a características físicas, caso essas não sejam tipicamente europeias são consideradas inferiores. Qualquer fenótipo negro é tratado quase que como um defeito e não como um traço inerente a natureza do povo negro, os cabelos, por exemplo, devem ser lisos e claros, porque cabelos crespos e escuros são um erro, daí surgem termos como “cabelo ruim” tão pressente no vocabulário dos brasileiros, e apenas mais uma forma de desqualificar a origem negra.

Surgem todos os dias cosméticos e técnicas de “embranquecimento”, não desta maneira declarada, claro, mas eles estão aí, são cremes clareadores, maquiagem de contorno para afinar os traços, produtos para alisar os cabelos etc.; tudo isso seria absolutamente compreensível se fossem apenas produtos femininos vendendo ideais irreais de beleza (que já são sugestivos e invasivos o bastante), mas no fundo eles carregam uma carga cultural absolutamente destrutiva. Imagine ser uma garotinha negra em um mundo onde as bonecas mais desejadas são tipicamente caucasianas, ou crescer vendo sua mãe, tias e irmãs lutando contra a própria natureza para parecerem mais adequadas, bonitas e aceitas, essa criança dificilmente se sentirá segura e forte o bastante para ocupar os lugares que as crianças que nunca tiveram que pensar sobre isso ocuparão.

Se você nunca precisou pensar sobre discriminação ou sobre a importância da representatividade, acredite, você é um privilegiado, e eu te faço um convite a uma reflexão, basta um pouco de empatia e uma boa dose de inconformismo.

O mundo precisa de mais pessoas exercendo seu papel de transformação na sociedade, não é preciso ter sofrido um ato de racismo para lutar contra ele, precisamos disseminar o conhecimento sobre o tema, pensar sobre ele, promover discussões, e claro, lutar diariamente para que atos racistas não se repitam. Sou incapaz de me manter em silêncio diante de uma fala racista, e me posicionando no mínimo causarei um pequeno momento de reflexão, e com alguma sorte, um registro de constrangimento na memória do agressor.

Sobre a representatividade, tão fundamental em todo esse processo, é necessário encontrar meios de promovê-la e difundir a sua importância, precisamos de mais mulheres negras na TV, no cinema, na ciência, nas grandes corporações, na música, nas universidades, no parlamento, nos palcos e em qualquer posição de destaque. Garotinhas negras precisam se ver em qualquer papel que aspirarem, e só assim elas sentirão que tudo é possível.

Ao se olharem no espelho, é preciso que elas sintam apreço por si mesmas, que amem seus cabelos, cor e traços, e cabe a nós, que já conhecemos os efeitos letais da eugenia, mostrar a elas o quanto são lindas, inteligentes e capazes.

O racismo existe, ele está aí, no nosso dia a dia, aqui nesse breve desabafo falei das garotinhas negras, mas esse tema (infelizmente) é amplo e tem dezenas de outras vítimas que dariam textos imensos.

Eu escolhi não me omitir, esse é o meu legado de luta. O meu lugar de fala é o lugar de uma garota branca antirracista.

Sheila Santos Segecs, 30, publicitária, São Paulo-SP

 

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