O primeiro negro no comando da Casa Branca
Foto: Ari Levinson (Autumnfire)
Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de março de 2020 é “racismo”.
A avó de Barack Obama, quando candidato dos democratas à presidência dos Estados Unidos, alardeava precocemente sua esperança de que o neto viesse a ter sucesso no seu pleito, principalmente após Hillary Clinton, que disputava a vaga dos Democratas e, portanto sua rival de campanha, declarava apoio ao correligionário de partido. A avó queniana do primeiro candidato democrata negro ao mais alto posto político na mais rica nação do mundo não tinha noção das dificuldades que ainda surgiriam na longa trajetória do neto até a Casa Branca.
Noam Chomsky, o mais respeitado pensador e crítico político estadunidense da atualidade, mostrava, naquela altura, a fragilidade da imagem que os responsáveis pela campanha de Obama vinham construindo para assegurar o lugar merecido de protagonismo a seu candidato. Tal campanha se resumia à de um “cara legal”, bem parecido, que sabe conversar e convencer as pessoas, isto é, cuja retórica supera a dos demais, e à qual se pode colar qualquer discurso que seja momentaneamente mais conveniente e competitivo.
Segundo Chomsky, o apoio a Obama era um fenômeno popular e refletia o desejo alienado traduzido na possibilidade de se ter um candidato que representava a volta da esperança americana e de mudanças iminentes num horizonte montado em palanque. Obama dizia o que o povo queria ouvir, dessa forma os americanos poderiam, mais uma vez, vislumbrar a presença de um novo salvador, que recuperaria o tempo e as esperanças perdidas na era Bush. Contudo, muito tinha que ser feito para que a vitória de Obama, como de fato ocorreu e havia sido preconizada pela avó no longínquo Quênia como certa, fosse uma realidade nas eleições nacionais estadunidenses de 4 de novembro de 2008, quando aos 47 anos consagrou-se o primeiro presidente negro dos Estados Unidos da América. Quando ainda candidato, afirmara que havia escolhido disputar a Presidência naquele momento histórico porque acreditava profundamente que só a união dos “diferentes” poderia resolver os desafios que se apresentavam ao futuro presidente: “Não podemos resolver os desafios de nossa era a não ser que o façamos juntos, a não ser que aperfeiçoemos nossa união ao compreender que, embora nossas histórias pessoais possam diferir, temos esperanças comuns.”
Para ser proclamado, o primeiro presidente negro da história dos EUA teve que vencer, anteriormente, o racismo que se mantém vivo e atuante na sociedade estadunidense e os ataques inescrupulosos dos rivais do partido republicano que costumeira e vergonhosamente buscam solapar os planos daqueles que se metem em seu caminho, principalmente quando o negócio é tentar tomar o objeto maior de desejo do partido, o cargo de presidente dos Estados Unidos da América. A máquina de difamação do partido republicano que foi atualizada na campanha de Donald Trump ad extremum entrou em ação para denegrir a imagem de Obama, com o claro objetivo de torná-lo mais vulnerável.
O racismo enraizado de forma muito profunda nos EUA e a máquina difamatória republicana lançavam mão das mais surpreendentes estratégias para reverter qualquer situação que significasse uma ameaça à hegemonia e ao poderio do grupo dominante de então e aos princípios fundamentalistas que regem a sociedade estadunidense, apesar de que Obama não representasse, necessariamente, uma mudança profunda do status quo. Seguramente o provável adversário de Donald Trump nas próximas eleições, o ex-vice-presidente de Obama, Joe Biden terá, por conta de seu passado político, o foco de questionamentos e ataques em temas bem diferentes como a crise climática, discriminação racial, aborto e acordos comerciais.
Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá é professor titular do Departamento de Psicologia da Universidade federal do Ceará (UFC)