Maternidade e a descoberta do machismo delicado

Maternidade e a descoberta do machismo delicado
(Arte Revista CULT)

 

Por Julia Scamparini

Lembro perfeitamente de uma sensação não esperada, ignorada, que tive poucos dias após o nascimento de minha filha. Sozinha com ela em casa, percebi o quanto eu dependia daquele homem, o pai, a partir de então. Dependia dele para os cuidados necessários a um neném, para juntos pagarmos as contas, e também para tomar um café na esquina, com o maior prazer do mundo, enquanto a avó ficava um pouco com a recém-nascida. Dependia dele para que aquele novíssimo prazer chamado família, que antes do nascimento não estava nos meus planos, continuasse existindo. Dependia dele para não me sentir só num mundo que, por um tanto de tempo, não me estaria acessível com a mesma facilidade.

Lembro também de sentir que o relógio das pessoas sem um recém-nascido era diferente do meu, que funcionava a partir do sono de minha filha: enquanto ela dormia, eu estudava para um concurso e, quando estava acordada, eu a admirava com paixão, dava de mamar, era mãe em tempo integral.

“Mãe em tempo integral” é uma ideia equivocada que ainda se perpetua, um pressuposto pérfido que é estendido de um período curto, em que o bebê realmente precisa da mãe em tempo integral, para toda a vida de muitas mulheres. Sobretudo na vida das mulheres que decidem não se curvar à dependência masculina, abrir mão dela, e das mulheres cujos companheiros não se tornaram parceiros após este grande acontecimento que é colocar uma pessoa no mundo.

Parceria. Decido procurar no dicionário: 1. Sociedade comercial em que os sócios, parceiros ou compartes apenas são responsáveis pelo quinhão ou parte com que entraram e só lucram na proporção do que deram. 2. Relação de colaboração entre duas ou mais pessoas com vista à realização de um objetivo comum.

No meu entender, a parceria para se ter um filho seria do âmbito da definição número 2, mas fico pensando se os cérebros masculinos não pensam no sentido da definição número 1: nós, mulheres, “entramos” na parceria “dando” não só a xoxota, mas também os óvulos, os hormônios, o útero, os peitos – na verdade, o corpo inteiro, que muda após um filho -, o leite, as gestações intra e extrauterina, e a boa vontade, uma exigência primordial para toda e qualquer mãe. Eles entram com o pinto, um único espermatozoide, na maior parte das vezes, e a boa vontade – um bônus.

Acabo de ler uma matéria sobre um italiano que adotou uma menininha com síndrome de down. Ela fora rejeitada pela mãe natural e outras 20 vezes. O texto não mencionou o pai natural. Provavelmente porque ela era um comparte minoritário na sociedade comercial que fizera com a mãe natural, essa desnaturada. Machismo delicado, quase imperceptível.

Graças aos deuses de todas a religiões existem homens como este italiano. Existem pais que se transformam e se comprometem com a vida de um pequeno serzinho. Que compreendem seu papel em uma relação, o papel das mulheres no mundo de hoje e, junto a elas, educam as crianças mais sortudas de todos os tempos.

Julia Scamparini, 41, é professora da Uerj no Rio de Janeiro. É mãe da Violeta

 

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