Uma mãe que entrega tudo o que tem

Uma mãe que entrega tudo o que tem
(Arte Revista CULT)

 

Por Camilla Costa

Eu tinha um buraco diante dos meus pés. Eu estava destruída, avassalada, devastada. Eu nunca havia sequer experimentado algo tão complexo. Tão estranho. Não haviam saídas e nem entradas. Era dor. E amor. Mas que amor? Eu também não sabia. Tinha que estar ali, todos os minutos numa entrega irrecuperável. Tenho que estar. Passei anos perdida sem saber voltar, sem nem saber que havia me perdido, de mim mesma. A maternidade me fez não saber mais nada. Eu já não sabia quem eu era. Quais eram meus sonhos. Quais eram minhas súplicas. Muitas noites eu quis que o tempo voltasse, que pudesse fazer outra escolha, mas já era tarde. Tinha que estar ali numa entrega inenarrável. Tenho. Dia. Noite. Fevereiro. Maio. Dezembro. Verão. Inverno. Todos os dias. Todos. Nem um a menos. Todos. Todas as noites. Nem uma a menos. Todas as manhãs. Nem uma a menos. Pra quê tudo isso? Porque fiz isso? E agora? Aí, um carrinho no chão! Distraída, furei o pé. Lágrimas de quem são? Minhas, todas minhas. Nem de arrependimento, nem de escravidão. De entrega, de amor, de doação. Dói demais amar até a última gota. Não há paraíso capaz de contemplar uma mãe que entrega tudo o que tem. Onde foi parar minha vida? Não sei. Foi embora. Agora minha alma dorme em duas caminhas no chão. Às vezes 30, às vezes 90 minutos cantando sem parar pra que eles adormeçam e eu tenha tempo pra neles pensar. Quando isso vai passar? Não sei. Aprendi a não esperar.

Camilla Costa, 34, é psicanalista em Guanambi – BA

 

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