Lançamento – Literatura

Lançamento – Literatura

Consolidação de uma poética

Escrito ao longo de dez anos, Trabalhar cansa, de Cesare Pavese, simboliza a modernização da literatura italiana

Wilker Sousa

Na época em que publicou seus primeiros livros, o italiano Cesare Pavese (1908-1950) era um reconhecido tradutor e pensador das letras. Apaixonado pela literatura norte-americana, Pavese traduzira para o italiano autores como Herman Melville, John Steinbeck e William Faulkner. Esse conhecimento da cultura moderna convivia com sua rica formação clássica, advinda das leituras de Homero, Hesíodo, Virgílio, Dante e Shakespeare. Prova disso, sua produção literária manifestava a tentativa de conciliação dessas tradições díspares. Em Trabalhar cansa, sua obra de estreia, tal empenho já era evidente. Publicado em 1935, o livro chega neste mês ao Brasil em edição bilíngue, por meio da parceria entre as editoras Cosac Naify e 7 Letras. Os 70 poemas, escritos ao longo de dez anos, transparecem as etapas de constituição da poética pavesiana – desde os versos narrativos, radicalmente objetivos e antilíricos, até a melancolia e solidão presentes na última fase. Para Biagio D’Angelo, professor de Literatura Comparada da PUC-SP, “Em Trabalhar cansa, Pavese conseguiu modernizar a literatura italiana que estava vítima ou do boom econômico daquela época ou do fascismo. Era uma literatura muito pedagógica e Pavese não é isso. Ao contrário, há um retorno a temáticas mitológicas, mas tudo visto dentro de condições familiares, da paisagem, do sangue, de morte e do poder. É um mito reinterpretado”.

A literatura pavesiana opunha-se à grandiloquência e ao tom retórico característicos da poesia pós-romântica e neossimbolista em voga na época. Pavese propunha quebrar o efeito poético e a cadência melódica. O tom eminentemente narrativo e coloquial, a ausência de rimas e a temática voltada ao cotidiano campesino e urbano renderam-lhe duras críticas. Gianfranco Contini, um dos mais renomados críticos da época, afirmou: “Poesia pura não é, com certeza; tampouco é certo que se trate sequer de poesia”. Um dos poucos a render elogios à obra foi o crítico Carlo Dionisotti: “Rompeu-se o encanto da poesia monódica, da assim chamada lírica. As palavras (…) receberam mais uma vez um ritmo de epopeia, de lenda, graças a esse verso longo de 13 a 16 sílabas, com uma cesura que exclui todo o compromisso com a música e com o canto”. Dada a incompreensão inicial de seu projeto, Trabalhar cansa tornou-se um livro marginal na obra do autor.

A aparente simplicidade, contudo, mostra-se uma armadilha. Ao contrário do que possa suscitar uma leitura inicial de seus versos, não se trata de um poeta dado a improvisos. A escassez de metáforas, hipérbatos e enumerações revela, antes de tudo, o resultado de um árduo trabalho de concentração e intelecto. Segundo o professor da USP Maurício Santana Dias, responsável pela tradução e prefácio do livro, a ideia central da poética pavesiana era “tentar fazer a poesia aderir à experiência e buscar romper o cerco de alienação que teria apartado a arte da vida, restituindo à experiência moderna um sentido pleno, sem recorrer a nenhum tipo de transcendência”. Para tanto, o poeta refuta o verso livre e adota o anapesto, versificação de origem greco-latina composta de duas sílabas breves e átonas seguidas de uma sílaba longa e tônica. Era necessário apreender o real e dar-lhe uma forma precisa, aspecto diametralmente oposto à ideia de dispersão, típica do cânone modernista.

O livro compreende três fases. Em um primeiro momento, predominam os poemas narrativos. Escritos sob rigorosa versificação, fundem aspectos da cultura norte-americana às paisagens do Piemonte urbano e rural, como evidencia o poema inicial
“Os mares do sul”. Na segunda fase, as imagens são incorporadas à narrativa. Tal procedimento, porém, não poderia ser realizado aleatoriamente, à mercê da subjetividade desmedida. Pavase vale-se novamente da disciplina e cria um sistema de analogias e correspondências entre as imagens, de modo a conferir unidade ao poema. Por fim, na terceira fase, a poesia de Pavese envereda pelos caminhos da subjetividade. Sob acusação de promover troca de cartas de conteú-do antifacista, o poeta foi levado à Calábria e ali permanceu preso entre os anos de 1935 e 1936. Ao retornar da prisão, descobre que Battistina, a mulher que amava, estava prestes a se casar. Esses tristes acontecimentos refletem-se em sua poesia, que passa a centrar-se nos aspectos problemáticos da existência, tais como a solidão e a inutilidade das ações. Contudo, segundo Maurício Santana Dias, “nem mesmo nos poemas finais [de Trabalhar cansa] Pavese abre mão do seu ritmo monocárdio, do verso martelado em baixo contínuo. No final de 1940, em plena Segunda Guerra Mundial e no auge da ditadura de Mussolini, o projeto de Pavese havia atingido seu limite”.

Trabalhar cansa
Cesare Pavese
Trad.: Maurício Santana Dias
Cosac Naify / 7 Letras
400 págs.
R$ 59

Lirismo límpido

Ainda que seja mais conhecido por sua obra de contos e ensaios, Jorge Luis Borges julgava-se, sobretudo, poeta. Ao longo de sua carreira, publicou diversos livros do gênero. Esta edição bilíngue, recém-lançada pela Companhia das Letras, reúne os sete últimos livros de poesia do autor, escritos entre 1969 e 1985. A última fase da poesia borgiana revela, por meio de um sereno discurso rítmico, permeado por precisão e elegância, um lirismo límpido e sutil. De forma lúcida, o poeta repassa mitos pretéritos que marcaram sua vida, o que corrobora sua convicção de que o vivido alimenta-se do poético: “A vida, tenho certeza, é feita de poesia. A poesia não é alheia; está logo ali, à espreita. Pode saltar sobre nós a qualquer instante”.

Poesia – Jorge Luis Borges – Trad.: Josely Vianna Baptista – Companhia das Letras – 648 págs. – R$ 65

Crônicas do cotidiano carioca

Boca de luar reúne crônicas publicadas por Carlos Drummond de Andrade no Jornal do Brasil no início dos anos 1980. A seleção dos textos foi feita pelo próprio autor, em 1984. A presente edição traz novo projeto gráfico e prefácio assinado pelo professor Luciano Rosa. Itabirano, Drummond escolheu o Rio de Janeiro como lar e ali passou boa parte da vida. O cotidiano carioca é o tema central de suas crônicas. Para o poeta, o Rio era o melhor ponto de vista para se divisar qualquer assunto. Na escrita leve de Drummond, pequenos fragmentos do cotidiano transformam-se em lirismo, humor e, por vezes, nostalgia. Diante o olhar poético, uma ingênua conversa de namorados torna-se pretexto para a criação literária: “Você tem boca de luar, disse o rapaz para a namorada, e a namorada riu, perguntou ao rapaz que espécie de boca é essa, o rapaz respondeu que é uma boca toda enluarada, de dentes muito alvos”.

Boca de luar – Carlos Drummond de Andrade – Record – 224 págs. – R$ 31


Contrastes da sociedade parisiense

Neste romance, François Bégaudeau faz uma abordagem crítica do sistema educacional francês. Embates e diferenças étnico-culturais do universo de alunos e professores do 19º distrito parisiense são apresentados em uma narrativa repleta de diálogos e divagações, dividida em cinco capítulos. Ainda que parta de um pequeno recorte do cotidiano parisiense, a obra dialoga com o macrocosmo da sociedade francesa e seus contrastes. O marcante jogo de cena presente no livro inspirou a criação do filme homônimo, que se sagrou vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 2008, e neste ano recebeu indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

Entre os muros da escola – François Bégaudeau – Trad.: Marina Ribeiro Leite – Martins Editora – 262 págs. – preço: a definir

Epistolografia de Vieira

O conjunto das cartas de Antônio Veira foi publicado originalmente entre 1925 e 1928, em Portugal. Em 2008, ano do quarto centenário de morte do autor, foi lançado no Brasil o primeiro dos três volumes que reúnem as 729 cartas, compiladas pelo historiador português João Lúcio de Azevedo.

O recém-lançado segundo volume apresenta as cartas relacionadas a dois períodos da vida do prosador. O primeiro, Desterro e processo em Coimbra, remete aos anos em que Vieira respondia ao processo movido pelo Tribunal do Santo Ofício contra ele, sob a acusação de promover crimes de heresia. Posteriormente, em Segunda jornada a Roma estão reunidas as cartas dos anos em que o autor viveu em Roma, com o intuito de livrar-se da culpa que a Inquisição portuguesa lhe imputara.

Cartas, volume 2 – Antônio Vieira – Globo – 568 págs. – R$ 46

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