A angústia de cada dia
Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de dezembro de 2021 é “angústia”
Gostava da calmaria antes de tudo se perder
Do gesto suave ás vezes sem hora marcada
Sem medo
Mesmo olhando o luar sobre nossas cabeças encostadas e ofegantes de amor
Gostava quando o silêncio não era o fim
E nessa vida repentina, choro, velas, insônias.
Nem o café é doce
Nem o cheiro é vivo
A gente cruza o passado e o agora
Entende que o coração abandona o barco
Sem leme, sem poemas bonitos.
O peito abafado
A quietude dos dias
O ano carregado. Não, são quase dois anos tramados pra o país acabar.
O mundo se desespera, a gente chora, esperneia, se exaure.
Onde foi que nos perdemos e porque perdemos tanto?
A angústia de cada dia
A angústia virando a doença emocional nessa dança brasileira de lutar contra o tempo
Nos arranjos e perrengues, lágrimas melando o rosto enrugado ainda que essa ruga não exista.
Mas é uma ruga, é uma coluna curvada no meio do cais sem rumo.
É uma mãe desesperada procurando comida pra dar aos filhos, osso, restos de dias sem esperança abafa a palavra.
Quando o natal era apenas diversão resenhada em abraços e sorrisos
Talvez bem no fundo haja uma cura. Para todo o mal. Há ciência.
Nesse dezembro desenhando nossas angústias, a minha angústia, a sua, nossas travessias transtornadas.
Alguém faz terapia, alguém não tem o que contar para quem contar. Dói o peito, dilacera uma dança da mísera poesia. Eu reescrevo uma ilusão. Afinal, se eu não catar minha força perante o abismo existente, deixar meu péssimo gosto de realismo não vai dar. E ninguém notará o meu vestido vermelho.
A esperança vem chegando, a esperteza dos abraços se abarcam e todos os espaços angustiados, serão incorruptos e com batidas de calmarias.
Porque de angústia morreu um pássaro. Não morreremos tanto. Morreremos menos e o amor vencerá.
Sandra Modesto, 60, é graduada em Letras e mineira de
Ituiutaba. Mãe, poeta nas horas vagas, acredita no universo
feminista poético.