Certo estava Renato Russo…

Certo estava Renato Russo…

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de setembro de 2021 é “manifestação”


 

Vendo a abominável e lamentável manifestação do dia 07 de setembro, me recordo de um trecho do filme Man of Steel, em que Kal-El conversa com um padre sobre a incerteza de defender ou não o povo da Terra contra a chegada de seu antagonista, general Zod. Clark dizia ao clérigo que sabia que não podia confiar no arquirrival de seu pai, mas também não sabia se os habitantes da Terra mereciam ser defendidos.

O país em que vivemos hoje retrata bem essa situação. O melhor e o pior do país não são os nossos políticos. Somos nós, os brasileiros.

Vendo os apoiadores de Bolsonaro, fica a dúvida se vale a pena mesmo defender a nação contra a ameaça golpista. É triste ver as pessoas (para mim, tão podres e canalhas quanto o presidente em exercício) defenderem este psicopata social, e pedirem uma intervenção militar para conter o fantasma da tal ameaça comunista (que nunca existiu).

Cartazes e faixas com pedidos de “saneamento” do STF e do Congresso Nacional em português e em inglês deixam em evidência quem realmente quer a intervenção militar. São os mesmos (ou os herdeiros dos mesmos) que financiaram a Ditadura Civil-Militar de 1964. São os mesmos que não se desfazem de suas regalias. São aqueles que gostam da mamata. São os que acham que valem mais do que os outros. São os que compõem os lobbys que se esgueiram pelas sombras da política brasileira desde… bem, desde sempre, financiando políticos à venda, como os Bolsonaros.

É o homem ou mulher branco, cis, hétero e da tal “elite” brasileira. Os privilegiados de nascença, os tais “filhinhos de papai” e fervorosos defensores da meritocracia.

Estes, por sua vez, são apoiados pelos homofóbicos, religiosos fanáticos, racistas e preconceituosos de todo gênero, que financiam (indiretamente) os muitos lucrativos negócios, além de sustentarem líderes espirituais, que usam descarada e inescrupulosamente do nome de “Deus” em benefício próprio.

Aqui, não podemos deixar de fora os militares (que não são todos), que se acham mais patriotas do que qualquer um, mas que não abrem mão de regalias e privilégios, que não querem que suas “filhas solteiras” fiquem financeiramente desamparadas, que fazem bicos (verdadeiro mecanismo de extorsão) para comerciantes por uma “segurança especial”, contra uma violência que eles mesmos deveriam conter. Os mesmos “patriotas” que não admitem serem responsabilizados pelos sequestros, torturas, atentados e assassinatos dos anos de chumbo. Para eles, tudo foi justificado pela chamada “restauração da lei e da ordem”.

Esses tais patriotas, que vestem a camisa da seleção ou que amarram a bandeira do Brasil nas costas, na verdade, não são patriotas. Em verdade, sequer estão pensando no bem-estar econômico e social do país. Querem é ter a liberdade de praticar os mesmos ilícitos a que estão acostumados: voltarem a cometer assédios contra as mulheres sem sofrer retaliações, ou agredirem os gays, xingarem de macaco os negros, além de surfarem na onda da propina para poderem andar com seus carrões livres, leves e bêbados, furar o sinal vermelho, atropelarem alguém e pagarem indenizações de R$ 5 mil ou conseguirem sonegar impostos contra a tal alta carga tributária etc. Na verdade, para esses “pobres coitados” que (como gostam de dizer) “carregam a economia brasileira nas costas”, bom mesmo era na época do Brasil imperial, quando existia a escravidão e o único direito que o trabalhador tinha era ser explorado e trabalhar à exaustão.

Bolsonaro e seus aliados estão com medo e acuados, pelo simples fato de que, se o “Messias” cair, caem todos os que “mamaram nas tetas do governo” atual, nos vários escalões de poder, desde o Palácio do Planalto, passando pelos Ministérios da Casa Civil, Agricultura, Meio Ambiente e da Saúde, resvalando na PGR, AGU, GSI, além de políticos e militares empossados em cargos de confiança e que agenciavam as transações ilícitas de compras das vacinas, que ainda estão sendo descobertas pela CPI da Covid.

Não é só Bolsonaro que pode ir preso. São todos (ou quase todos) os que o apoiam e que ocupam cargos no governo federal. Pior estrago será (e isso, podem ter certeza, “uma força maior” não deixará que aconteça) para a imagem das Forças Armadas, já que o “Capetão”, digo, “Capitão” sempre tentou manter sua imagem associada aos militares (ainda quando atuam ilegalmente como paramilitares).

Vivemos a República do “Tio do Churrasco” que diz impropérios a torto e a direito, que sabe que é chato e inconveniente, mas continua sendo como é: um pé no saco. Não vemos a hora desse “tiozão” ir embora, para que o ambiente fique mais leve, mas ele se recusa a sair, embriagado que está pelo poder.

Com a inflação quase batendo na casa dos dois dígitos, com o gás de cozinha e gêneros alimentícios básicos (como o feijão) caros, com o combustível a quase R$ 7, desemprego alto e o capital estrangeiro indo embora, além das reiteradas ameaças públicas e escancaradas à democracia, certo estava Renato Russo quando dizia que “ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação… que país é esse?”.

 

Guilherme Dias Trindade, 36, é advogado,
humanista e esquerdista-comunista

 

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