Brasil: ame-o ou esqueça-o

Brasil: ame-o ou esqueça-o

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de julho de 2021 é “memória”


O Brasil está doente. Creio certamente que é demência. Memória é um valor mais ausente do que nunca na cultura de um povo que não só não conhece sua história como pretende esquecê-la se a conheceu. Pior. Flerta e goza com o que há de mais nefasto nessa história, proclamando com orgulho para o mundo toda a sorte de patologias que carrega.

A promessa de que um dia seríamos o país do futuro parece agora mais delírio que promessa, porque promessa é coisa que evoca reflexão e recomeço a partir de um pacto – aqui há o pacto, mas não há reflexão. É um pacto meio nebuloso, distante, megalomaníaco… Ele não faz jus à realidade nada cordial, e suas entrelinhas dizem que não devemos perder tempo pensando muito em quem somos. Devemos nos concentrar em quem queremos ser. De preferência, esquecendo o que fomos. E assim vamos nos esquecendo de verdade.

Temos lapsos de memória o tempo todo. Não nos lembramos da marca indelével da escravidão, do racismo arraigado na estrutura, das mulheres e travestis que há tempos morrem pela violência brutal, dos animais e moradores de rua abandonados, da natureza devastada. Não. Somos sonsos e só vislumbramos a promessa eterna. Para tentar alcançá-la ousamos até reescrever nossa história, fetichizando o passado, imprimindo heroísmo no sadismo, demonizando e perseguindo a diferença que não tem espaço na narrativa.

Não é curioso que vivamos no passado simplesmente por não querer olhar para ele? Até quando levaremos a cabo essa estratégia tão rasteira e infantil de tentar afastar a verdade que nos assusta e olhar para a distração? Lembrar do que dói é se doer, mas não lembrar é perecer. E para não perecer é preciso lembrar e relembrar sempre.

Há, inevitavelmente, que se sair um pouco do ritmo, da batida e da euforia para que se permita ouvir a voz da memória coletiva, que ainda resiste e grita e pulsa nos corpos e ruas por aí. Ignorar o grito, o choro, a sujeira, e viver sempre na iminência de um grande carnaval é participar dessa boiada estourada que corre em direção ao abismo e atropela todo e qualquer bicho menor pelo caminho; perseguindo o projeto ufanista de salvação de um país demente. É trair o pacto civilizatório moderno entregando-se à horrível morte do suicídio subjetivo e social. Mais que alienação, é uma anulação da própria capacidade de existência e memória.

 

Paola Romanova tem 19 anos e estuda de tudo um pouco

 

 

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