Angústia: acontecimento de corpo

Angústia: acontecimento de corpo

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de dezembro de 2021 é “angústia”


“Angústia, afeto que não engana.”
Lacan, Livro X

Nada paralisa mais, ao passo que induz a buscar movimentos, do que a angústia. Ela funciona como uma espécie de dobradiça… Por momentos faz fechamentos, mas pode abrir infinitas possibilidades e descobertas…

É um afeto primeiro e estritamente humano…

Se não estamos bem…, algo necessita de ser feito… A vida é assim, não?

A angústia ressoa no corpo como um acontecimento, que dá avisos, que não engana, que dá notícias de que algo está sufocando… Dores de cabeça, de barriga, palpitações, pânico, sudoreses, sonos excessivos, insônias…, as chamadas psicossomatizações…

Mas o que o corpo codifica com esses sintomas, que as palavras não alcançam, mas necessitam de subverter e desmontar…?

Como um acontecimento de corpo, a angústia invade e produz sensações no sujeito e pede vazão, escoamento… É quase um estranho conhecido que dá as “caras” e que reivindica atos, palavras…
A angústia faz lembrar que somos um corpo…

Ela publiciza o que marcou/marca o corpo falante… Anuncia faltas ou mesmo quando a falta falta… Ela diz do que se inscreveu e que não cessa de se inscrever diariamente no corpo de cada um… Um real que faz voltas e volta ao mesmo ponto, o corpo.

O corpo, já atravessado por contingências do viver…, faz um pedido de socorro, com o nome de angústia…, nome esse extraviado dos pedaços, dos restos do REAL, de experiências ao longo de um percurso subjetivo, em que muitas questões rechaçadas ficam sem contornos, sem saídas, produzindo um acúmulo de energia que pode irromper a qualquer instante, provocando efeitos potentes de acontecimento no corpo, que dão uma sensação de eternidade temporal, de uma quase dissolução corpórea…

Basta uma gota d’água…
Um rompimento amoroso, de trabalho, de amizade…, conquistas não efetivadas, uma pandemia, uma morte real, uma não decisão, mortes simbólicas, o assumir uma carga de responsabilidade na vida…, por aí vai…

A angústia pode produzir uma erupção… É preciso lidar com as lavas do vulcão que o corpo parece se tornar nesses momentos…

Lavas que carecem de escoamentos para não ficarem presas, provocando a angustiante sensação de quase explosão ou implosão…

Falar para lidar com o movimento das próprias lavas, e construir novos atalhos no impossível de tudo ser dito. Falar é sempre uma indicação interessante para lidar com a angústia, ou melhor, com o sem sentido que, por vezes, a vida apresenta. Falar para tentar tocar, contornar o vazio que é a angústia, e que corpo dar a ver que há um saber não sabido ou um não querer saber…

Arrisquemos-nos por esses caminhos da fala, da escuta, do desejo singular para a abertura de possibilidades inventivas com a vida…

Luzia Nolêto é psicanalista e supervisora
em escuta psicanalítica na clínica.

 

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