Angústia
Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de dezembro de 2021 é “angústia”
“E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!”
Florbela Espanca
Eu quero ter o que eu não tenho. Quero ser o que eu não sou. Quero ter a felicidade que ele tem. Está tão perto de mim. Está ali e vivo perseguindo-o. Inalcançável como o tempo. Que o relógio gira, gira sem descanso.
Por que não posso ter o que desejo? Um amor não é pedir demais. A solidão me abraça nas noites. Uma fiel amiga como as lágrimas. Meu travesseiro é regado pelas pequenas gotículas que percorrem minha face. Abaixo dos olhos, uma sombra escura de noites sem dormir. De fechar meus olhos e os sonhos serem irreais.
Cansado de viver. Cansado de desejar. Ele está a minha frente. Esfregando sua felicidade. Seu amor. Sua vida. Enquanto eu sinto a água do chuveiro cair em minhas costas. A água gelada não me faz sentir frio. Apenas coloco minha cabeça entre as pernas e grito. Grito para quem? Para ninguém. Sozinho, preso em casa. Ninguém pode me escutar. Ninguém pode me salvar. Ninguém pode me estender a mão. Apenas grito como se uma parte de mim estive se partido. Como se uma parte de mim estivesse destroçada. Minha alma condenada. Condenada a ser infeliz. Condenada a roubar migalhas de sentimentos. Um amigo se casando. Outro amigo tendo filhos. Um amigo indo viajar. E eu… Sorrindo com a conquista deles. Sinto inveja. Sinto amargor. Sinto rancor. Sinto a angústia penetrar tão fundo em meu corpo que minha voz se torna inaudível.
E assim passa-se as horas, os dias, as semanas, os anos e eu continuo ali. Estagnado. Sendo coadjuvante de minha própria história. Sentindo o mundo girar tão lentamente que sou incapaz de pensar estar vivo. Sendo castigado por algo que nem sei o motivo. Sendo apenas um amontoado de moléculas, destinadas a se transformarem em nada.
Mas as lágrimas estão aqui. Elas são reais. A voz embargada está aqui. Está esganiçada, procurando ser ouvida. Meus ombros caídos e os olhos murchos. E a água do chuveiro caindo. Passando pelo ralo. Já me perdi no relógio. Seria dez minutos? Seria meia hora? Seria duas horas? Sentindo o mundo e o vazio. Um contido dentro do outro. O que não posso ter. O que não posso ser. O que só posso invejar e o que me faz passar a vida sem viver.
Sou angústia até os ossos. E quanto até isso me for tirado, não serei nada. Nem homem. Nem pó. Apenas o nada e o vazio.
Gabriel Isidoro, 22, é licenciando em Letras-Português pela
Universidade Estadual do Paraná. Nasceu em Morretes, Paraná,
mas hoje vive na cidade vizinha, Paranaguá. É solteiro, gay e
refere-se a si como “projeto de poeta”. É professor no Colégio
Estadual Cidália Rebello Gomes – Ilha dos Valadares.