A fala da umbanda

A fala da umbanda
(Foto: Christian Cravo)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados pelos leitores são publicados de acordo com um tema. O de fevereiro de 2020 é “intolerância religiosa”.


Por Paula Pioli Lozano Tesseroli

Quando a alma fala e conta histórias de outro mundo, quando é ouvida, o despertar do sagrado feminino é ininterrupto e incontrolável. Porque tem a força das águas salgadas. Se sonho ou fantasia, para gente grande é a realidade de seus corações, que toca em som de atabaque e dá um outro ritmo e olhar para a vida!

Ela é filha de Umbanda, patrimônio imaterial da cultura brasileira,
carioca, portanto, brasileira por excelência. E ninguém mexe com ela!

Realidade para uns, manifestação do inconsciente coletivo para outros, seja como for, ela se manifesta no chão das casas de Pai Oxalá. Laroiê! Nascida entre os anos 60 e 70, no período da ditadura, ela vem ao mundo junto da fala dos movimentos feministas. De acordo com Alexandre Cumino, a umbanda nasceu numa sociedade que precisa evoluir muito no que tange à emancipação e aos direitos das mulheres, sobretudo quanto à preservação da vida das mulheres negras, lésbicas, transexuais e todas as outras formas de ser mulher.

Até mesmo dentro da própria Umbanda ela ainda é um mistério e muito mal interpretado: Pombagira é frequentemente apresentada como espíritos de mulheres ligadas aos prazeres da carne e conselheiras amorosas, ou que fazem amarrações amorosas. Não existe isso! Isso pode ser tudo, menos Pombagira!

Pombagira é negra, da cor do oceano profundo do nosso inconsciente, porque ela é a mistura de tudo, até de formas de vida diferentes da nossa. Pombagira é uma organização que ultrapassa o tempo de vida do nosso próprio planeta. Em muitas épocas tentou se dar um nome a ela, mas ela é a legião, e carrega mil nomes.

A fala encantada é delas. São especialistas na fenomenologia psicanalítica, ou seja, elas trazem do inconsciente humano toda a potência necessária para se retornar à essência perdida: ela quebra o superego patriarcal. Pombagira extermina ilusões do ego e liberta a mulher e o homem de sua prisão consciencial.

E que fique bem claro: Pombagira não admite homens que traem e maltratam mulheres, e assim também são com as mulheres.

Pombagira representa arquétipos que rasgam a pele. Ela é à flor da pele e guardiã da caixa de Pandora. A Pandora de mil talentos e não a história contada por homens, onde só restou a esperança. Ela é o inconsciente matriarcal e todas as sementes do ovário. Ela é a encruza entre a vida, a morte e o renascimento. Ela é a dama de vermelho, a grande madona negra e oculta, que pega no colo sem mimar, que levanta nossa fronte para olhar além e não sobre alguém, que ensina a caminhar sem medo, ela é senhora do conhecimento e da alma livre, ela é fonte eterna de juventude, felicidade e criação. Ela é a libido humana, o prazer de viver e manifestar paixão em tudo o que se faz e se dedica, o prazer de estar de verdade no aqui e agora.

Pombagira está em todos os triângulos que abrem a possibilidade de espaço físico, geométrico e mágico, inclusive no triângulo freudiano: o Pai, o filho e a Mãe, mas a Mãe Pombagira. A palavra Deus também termina com A.

Pombagira representa outro estado de consciência, é o retorno da serpente, da árvore e da Deusa, oferecendo o fruto da vida e do conhecimento ao visitante masculino, é o convite para a troca de pele infinitas vezes, até que reste só o essencial. A mulher jamais foi a pecadora, ela é a sagrada. E deve ser contemplada como tal.

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