A escola dos meus sonhos

A escola dos meus sonhos
(Arte Revista CULT)

 

Por Jessica Marzo

Uma vez, em um debate sobre educação que participei, em que especialistas e participantes debatiam e dialogavam sobre os desafios nas salas de aulas e na instituição escolar, uma das vozes da mesa falou. “Pera aí, estamos tentando construir uma educação melhor, de qualidade para todos. A solução não é jogar fora a escola, se está ruim com ela, pode ser muito pior sem ela”. Depois dessa fala, fiquei pensando na importância e na dificuldade que temos em olhar para as partes que deram certo, e trabalhar em cima e a partir delas. Por exemplo, é muito mais fácil construir uma casa do zero, do que restaurar um casarão antigo. É mais desafiador cobrir uma tatuagem com um novo desenho, do que fazer um novo. Quando fazemos esse exercício de olhar a partir do que já está construído, sem limitar a criação de algo novo, evitamos esbarrar em erros que se repetem ao longo dos anos.

Minha formação foi toda em colégio católico. Sim, havia muita censura em relação as vestimentas, formas de se expressar. Autoritarismo da direção, uma grande exigência de ordem. Algumas horas dedicadas às novenas, exaltação de alguma entidade religiosa. Mas era uma escola que se trabalhava muito bem a humanidade, as relações, o trabalho voluntario. As festas religiosas mobilizavam a escola toda, a comunidade. Esta escola me possibilitou formar vínculos sociais e afetivos que carrego comigo até hoje.

Na graduação, como ganhei 100% de bolsa, fui estudar numa das faculdades mais caras de São Paulo. Estrutura impecável, acesso a equipamentos sofisticados, professores qualificados, porém não havia grêmio estudantil, debates políticos. Alunos se reuniam e se mobilizavam apenas para fazer festa. Depois de formada fui fazer outra graduação, dessa vez numa das universidades particulares mais falidas administrativamente de São Paulo. Era tudo ao contrário, salas abafadas, cadeiras quebradas, banheiros detonados, porém com um histórico de ativismo politico. Os alunos eram muito engajados, havia debates, fóruns, invasão de reitoria, as paredes pichadas gritavam, se manifestavam.

Minha filha de três anos vai a uma escola socioconstrutivista. O espaço é pequeno, mas a proposta pedagógica é incrível. Tem apenas uma turma por faixa etária, os pais entram na escola, há uma interação rica entre a família, alunos e educadores.

De todos os modelos educacionais que tive a oportunidade de vivenciar ao longo dos anos, percebo falhas e riquezas em todos. Nas escolas particulares ganha-se em infraestrutura, mas perde-se em diversidade e senso de realidade. Nas escolas públicas falta professor, faltam equipamentos, mas foi lá que aconteceram as ocupações, debate politico, engajamento. Nas escolas religiosas pode-se perder em liberdade, mas é possível desenvolver seres humanos, humanos que tem na base de seus valores a solidariedade, o afeto, a empatia. Nas universidades, infraestrutura não basta para formar sujeitos pensantes, assim como o acesso a diferentes equipamentos, bibliografia e professores bem remunerados também é munição para que seres pensantes, cheios de sonhos e efervescência política possam se formar e atualizar.

Na minha escola ideal tem espaço pra brincar, criar e dialogar. Tem liberdade de pensamento, propostas que promovam o afeto, a empatia. Não tem catraca, tem muros baixos e portas abertas. Tem a troca entre as famílias, os educadores. Tem uma comunidade escolar pensando juntas e construindo a escola que melhor funciona para aquele bairro, cidade, país.

Jessica Marzo, 34, feminista, mãe de duas meninas. Cientista social, trabalha com comunicação e gestão de projetos sociais em São Paulo – SP

 

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