A paleta de cores da “Arte”
(Imagem: Arthur Timótheo da Costa/Reprodução)
Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de março de 2020 é “racismo”
Foi assim: colocaram os museus, teatros, cinemas e afins nos grandes
centros urbanos, com um homem pomposo na porta e um ingresso que custa meia cesta básica. Depois disseram que Arte é coisa fina. Fina demais para ser popular, fina demais para ser compreendida por qualquer um, fina demais para ser tocada pelas mãos grossas do trabalhador. E se você é apenas uma criança?
Cantar não dá dinheiro, dançar não dá dinheiro, pintar não dá dinheiro… então, trate logo de trocar o lápis de cor pela vassoura, principalmente se “de cor” você for. E se gosta de rap, slam ou grafite? Isso é coisa de “marginal”… Assim, a paleta de cores da arte foi composta pelo branco e por alguns tons de verde, dependendo de quanto dinheiro o sujeito tem.
Eu sempre me achei incapaz de entender esses quadros pintados por
artistas famosos, mesmo depois que entrei no curso de Letras. Até vir parar do outro lado do Atlântico, com intercâmbio financiado pelo gotejar de recursos que sobrou da época que ainda se pensava em educação no Brasil.
Até que visitando o Museu Van Gogh, em Amsterdã, fui surpreendida pela presença do trabalho “Quarto em Arles” do grande pintor. Lembrei-me que em uma aula de Educação Artística, ainda no ensino fundamental, minha ex-professora Terezinha mostrou-nos uma imagem com essa obra e falou-nos sobre Van Gogh. Talvez naquele momento ela nem imaginasse que alguém daquela sala de aula chegaria a ver a tela pessoalmente, mas mesmo assim ela nos mostrou. Antes de me deparar com o quadro original, essa memória estava guardada numa gaveta da minha infância.
Ao reconhecer a obra foi impossível conter as lágrimas. Nem sabia
explicar por que chorava. Mas pensando agora, acho que naquele momento eu verdadeiramente entendi que sou capaz de entender o que é Arte. Tive a certeza de que preciso continuar lutando para que as artes marginalizadas sejam valorizadas dentro dos espaços culturais legitimados socialmente.
Mas que também é preciso mostrar à periferia (e ao interior, de onde vim) as artes dos espaços culturais legitimados. As meninas e os meninos pobres e das escolas públicas (assim como eu) têm esse direito. Existem muitos “Van Gogh’s” (e, claro, Machado’s e Montenegro’s) acreditando que a Arte que fazem nem mesmo pode ser chamada assim. Há muitos jovens artistas precisando de alguém em quem se inspirar, então, por que não nos clássicos? É importante lembrar que, como bem diz Sérgio Vaz: “A arte que liberta não pode vir da mão que escraviza”. É sempre tempo de trocar correntes por pincéis.
Celiane Vieira, 21 anos, faz intercâmbio (financiado pela Capes) na Universidade de Coimbra (Portugal). É do interior do Espírito Santo, Apiacá, e há 5 anos é engajada em ações antirracistas, principalmente de cunho educacional.