É caro ser negro
(Foto: Lázaro Roberto)
Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de março de 2020 é “racismo”.
Desço a barra de rolagem enquanto vejo diversas cores e rostos de modelos seguidos por preços exorbitantes. Enquanto me pergunto que peça conversa melhor comigo, surge algo que toma a minha atenção: desde quando se tornou tão caro ser negro? Desde o cabelo tratado no salão, até os diversos produtos para mantê-lo, das estampas “étnicas”, inspiradas em nossa origem, até o estilo urbano/afro/diferente que tanto nos bombardeiam.
Desde quando se tornou tão caro ser negro? Com os navios negreiros, com anos de escravidão, nos colocando à venda em jornais? Ou com a popularização de um estilo que por tanto tempo foi marginalizado? É estranho pensar em como nossa negritude é pautada além da cor da pele, do tamanho do cabelo e da forma de se portar. Que mesmo repetindo para nós mesmos que o mais importante é se aceitar, ainda há aquela parcela de aceitação social vinda do quanto você pensou em seu look.
E então, quando se tornou tão caro? Um preço que nem poderia ser colocado em um seguro de saúde, pois esta vida é constantemente colocada em perigo. Um preço que se refere a uma origem datada do berço da civilização. Que carrega dor, sangue e tortura. Medo e tragédia. Um preço incontável e agora, estampado em etiqueta de lojas populares e de grifes famosas.
Algumas, ironicamente, financiadas, produzidas e idealizadas por figuras públicas negras. Que utilizam nossa cor, estilo e cultura como moeda de troca em uma sociedade capitalista. Parece que novamente fomos resumidos a dinheiro. Dessa vez não com nosso trabalho manual e escravo, mas com brancos usando nossa cultura como se fosse deles.
E isso não se trata de uma crítica a apropriação cultural, nem ao uso de turbantes, dreads e roupas culturalmente negras, mas a como isso não está chegando a quem deveria ser direcionado. Em como eu, uma pessoa de classe média, olha para essas peças e vê nelas um objeto de luxo, caro e injusto. Enquanto moradores de favelas, que estão criando e descobrindo figuras para se relacionar, talvez nem tenham contato com esses produtos.
Parece um luxo se preocupar com tal coisa. Mas mais que um luxo, é frustrante olhar para dentro de lojas de departamento e sites de compra e ver rostos similares ao seu, frases que descrevem que você é, sentimentos que sempre quis colocar para fora, mas só agora viu espaço para isso; e no fim, perceber que é mais uma luta que vai demorar um pouco para ser vencida.
Então lembro daquelas frases direcionadas para a minha auto estima. “O que você veste é apenas uma parcela do que importa”; “você tem que cultivar sua negritude de dentro para fora”; “você tem que aprender a amar cada detalhe do que é ser negro”. Mas e quando tudo isso já foi feito? Quando se quer estender o seu ser de dentro para fora e mostrar que não importa os olhares, você vai ser você mesmo.
É maravilhoso perceber o quanto foi conquistado. Em como há não muito tempo atrás era necessário criar tudo do zero para criar sua identidade. Em como hoje a “moda” e o seu “eu”, ou melhor, nosso “eu”, foi popularizado a ponto de ser cada vez mais aceito, visto em canais abertos e fechados, no Youtube e no Facebook. Mas é aí que surge uma nova pergunta: tudo isso foi criado para nós ou para o mercado?
Junno Sena, 23, é escritor, ilustrador, jornalista e mestrando em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF)