Maternidade é um encontro
(Arte Revista CULT)
Por Letícia Chaplin
Aviso aos navegantes: para embarcar nesse mar de reflexões é preciso livrar-se de todo peso excedente da culpa e dos padrões. Deite tudo fora, lance todas as expectativas infantis que enfeitaram seu imaginário quando o tema em pauta era a maternidade.
“Ser mãe é viver com culpa” são minhas primeiras palavras (pouco ou nada simpáticas, eu sei) às mães de primeira viagem que conheço. Digo isso não por desgosto ou por frustração, veja bem. Não mesmo! Amo ser mãe. Mas se tivessem me preparado para a culpabilização diária que a mulher-mãe (e uso essa expressão porque é assim mesmo que me vejo, uma mulher que também é mãe, sem deixar de ser mulher) se impinge, penso que tudo seria menos dramático.
Ser mãe como apenas uma das muitas facetas do ser mulher é uma luta quase inglória, acredite. Os olhares julgam mais do que as palavras quando ela esquece a reunião na escola, quando esquece o presente do amiguinho, quando deixa o filho com febre com a babá, quando curte um jantar com as amigas ou quando vai fazer a unha e deixa o filhotinho com o pai… enfim, quando o filho não está no centro de tudo, tudo parece vir pesar contra a legitimidade dessa mãe.
Depois que a mulher-mãe aceita que, faça o que fizer ou diga o que disser, a culpa sempre paira sobre sua cabeça como um pêndulo insuportável, então, só aí então, essa mulher, essa mãe pode começar a sentir os prazeres ímpares da maternidade junto da sua cria. E que prazeres! Aquele cheiro no pescocinho, o pezinho que cabe numa mão, o primeiro “eu te amo”… não há mesmo nada igual. Para a mulher que deseja ser mãe é a realização da plenitude! É um ser e estar tão completo e cheia de si mesmo, de paz e de serenidade, de amor, que não se encontra comparativo justo para definir. A mulher se torna grande, imensa. E essa imensidão amplia seu olhar sobre o outro. E ela se torna mais tolerante, mais compreensiva, mais generosa. E grata, evidentemente, a esse filho que, ainda sem dentes e sem dizer uma só palavra, tem esse poder mítico de transformar o que toca. Um filho nos torna uma versão melhorada de nós mesmas.
Meus dois filhos não foram gerados por mim. No útero, quero dizer. Foram gerados na minha mente e no meu coração muito antes de aportarem por aqui. Chegaram ainda bebês, após um período longo de tentativas frustradas de gestação, de luto, de esperança e de expectativas. Foi quando eu entendi. Eu achava que já sabia tudo, todas as teorias. Mas eu só entendi a maternidade quando olhei naqueles olhinhos saudosos de colo de mãe, numa conexão absurda pela intensidade e pela novidade, e minha boca disse, sem processar muito as ideias: “Por onde andavas? Finalmente, a mamãe te encontrou!”
Um encontro. Então eu realmente entendi. Toda maternidade é um encontro. Da mulher com seu filho. Da mulher com um futuro de incertezas. Da mulher com uma vastidão. Da mulher com um novo eu.
Letícia Chaplin, 43, é servidora pública federal na Universidade Federal do Rio Grande (FURG); mãe de Marcos, 7, e Iuri, 8
(3) Comentários
Texto lúcido sem perder o lirismo e a amorosidade. Parabéns!
Texto que transborda lucidez, verdade, amorosidade e lirismo em uma combinação extremamente feliz.
?????? Parabéns Leiticia, é isso mesmo. Estou adotando a libertação de antigos conceitos com a maternidade. ?? sou a Ju, Dinda do Francisco.