Wislawa por Przybycien

Wislawa por Przybycien
Será que nós, que não lemos polonês e adoramos Szymborska, não somos, na verdade, fãs da Regina Przybycien? (Foto: Marcelo Elias/Agência de Notícias Gazeta do Povo)

 

Regina Przybycien, tradutora de Wislawa Szymborska e grande responsável pela divulgação de sua obra no Brasil, conversou com a CULT sobre a relação com a poesia da autora polonesa

 

Poucos poetas estrangeiros têm circulado com tanta desenvoltura entre nós quanto a polonesa Wislawa Szymborska (1923-2012) e isso se deve ao trabalho da professora e tradutora Regina Przybycien, nascida em Curitiba, de pais poloneses. Antes mesmo que pudéssemos aprender a pronunciar corretamente seus nomes, os poemas de Szymborska já estavam na ponta da língua de um público crescente, formado por leitores, críticos e poetas que incluem a polonesa entre suas principais referências. É sempre muito arriscado dizer isso, mas Szymborska talvez seja uma rara unanimidade entre nós.

De minha parte, grato que sou aos tradutores de poesia de todas as línguas, à medida que o interesse pela poeta se aprofundou, cresceu a curiosidade para saber quem estava por trás daqueles poemas que funcionavam tão bem em português. Quem era essa tradutora capaz de (re)criar poemas, a partir de uma língua e de uma cultura tão distantes, fazendo os versos soarem tão claros, limpos e próximos? Cada nova rodada de poemas de Szymborska que chegou por aqui (já são mais de 200 em três volumes!) aumentou essa curiosidade, porque – algo que é muito raro em poesia – chegamos a esquecer que estamos lendo um texto que teve origem em outra língua.

Aproveitando a ocasião do lançamento da terceira coletânea de poemas de Szymborska traduzidos por Regina Przybycien, procurei-a para essa conversa e ela gentilmente aceitou falar sobre sua relação com a obra da poeta polonesa. É muito interessante perceber, em suas respostas, como esse processo de tradução vai muito além de um “trabalho”, porque está ligado a um revolvimento de suas raízes polonesas e à reconstrução de uma ponte pela qual seus pais imigrantes chegaram aqui.

Também lançado pela Companhia das Letras, Para o meu coração num domingo, em que Regina dividiu a tarefa com Gabriel Borowski, vem se somar a Poemas (2011) e Um amor feliz (2016) nas prateleiras dos milhares de fãs – mais do que apenas leitores – da poeta entre nós. As redes sociais já estão sendo tomadas por fotos da capa e dos poemas do livro. Então é hora de perguntar: será que nós, que não lemos polonês e adoramos Szymborska, não somos, na verdade, fãs da Regina Przybycien?

 

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Cult – O leitor brasileiro que se apaixonou por Wislawa Szymborska lendo suas traduções certamente tem curiosidade para conhecer mais sobre o seu próprio percurso – sobre quem é a “autora” desses versos em português. Poderia contar um pouco sobre sua formação e sua atividade acadêmica? Você também escreve poesia?

RP – Fiz o curso de Letras Português-Inglês na UERJ, mestrado em inglês na Louisiana State University e doutorado em Estudos Literários na UFMG com doutorado sanduíche em Harvard. Durante mais de duas décadas lecionei Literatura Americana e Comparada, primeiro na UFOP e depois na UFPR. Minha história com a língua e a cultura polonesa tem dois momentos. Sou filha de imigrantes poloneses e até os cinco ou seis anos eu falava só polonês em casa. Depois me recusei a falar e não aprendi a ler nem escrever. Minha vida tomou outros rumos e não tive nenhum contato com a língua por mais de quarenta anos. Na década de 1990 algumas universidades polonesas estabeleceram convênios com a UFPR. Em 1994 meu departamento me nomeou coordenadora de um curso de extensão de polonês e do convênio com a Universidade Jaguielônica de Cracóvia (UJ). Por causa da presença numerosa de descendentes de poloneses no Paraná havia uma demanda antiga para a criação de um curso de Letras-Polonês na UFPR para a formação de professores e tradutores. Me engajei com entusiasmo nesse projeto, mas ele foi abortado porque a universidade vivia uma de suas crises costumeiras de falta de recursos. O curso finalmente foi implantado em 2009 graças ao programa Reuni do governo federal. Todas essas atividades fizeram com que eu tivesse contato com professores e autoridades polonesas e me sentia meio desconfortável por ter que me comunicar com eles em inglês. Resolvi aprender a língua. Em 1996, com uma bolsa do governo polonês, passei um semestre na Universidade Jaguielônica fazendo um curso intensivo de língua e cultura. Voltei a Cracóvia mais três vezes para cursos de verão e estabeleci contato com meus parentes poloneses que até então não conhecia. Em 2005 passei um semestre na UJ como professora visitante e em 2009 comecei a dar aulas de literatura brasileira no curso de Letras-Português da UJ, cargo que ocupei até o início de 2016. Não escrevo poesia e, exceto três contos de língua inglesa publicados em revistas e alguns poemas para uso em sala de aula, nunca tinha traduzido nada antes. Não sou e nem poderia ser uma tradutora profissional. Levo um tempo enorme revisando as traduções e necessito ter empatia com aquilo que traduzo. Não conseguiria fazer traduções por encomenda e com prazo de entrega.

Cult – Entre outros grandes prêmios, Szymborska ganhou o prêmio Nobel em 1996. Na apresentação de Poemas, você conta que seu primeiro contato com poemas dela se deu exatamente nesse ano, quando estava na Polônia fazendo um curso intensivo de polonês. Como era sua relação com a poesia de Szymborska antes disso? O que mudou na sua relação com a língua, a cultura e a poesia polonesa de lá para cá?

RP – Eu tinha lido um livro de poemas em edição bilíngue, organizado e traduzido pelo Prof. Henryk Siewierski da UnB, intitulado Quatro poetas poloneses, publicado pela Secretaria de Cultura do Paraná em 1994 (com poemas de Czesław Miłosz, Zbigniew Herbert, Tadeusz Różewicz e Wisława Szymborska). Acho que esse foi meu único contato com a poesia polonesa antes de 1996. Bom, eu tinha alguns resquícios na memória de canções e poemas infantis que meus pais cantavam ou recitavam quando estavam de bom humor. Acho que essa memória da infância me ajudou a sentir a poesia em polonês. Trata-se de uma reação sensível aos sons, ao ritmo, que é anterior ao entendimento racional. O aprendizado da língua me permitiu conhecer um pouco o teatro, o cinema, a literatura e me fez descobrir que tenho uma relação especial com a poesia em polonês.

Cult – Antes do lançamento de Poemas, os leitores brasileiros praticamente não tinham acesso à obra de Szymborska. É provável que apenas o público mais atento tenha notado seu nome e os poemas esparsos em algumas publicações especializadas em poesia. No entanto, de 2011 em diante, ela se torna um best-seller no Brasil, uma febre: uma matéria da revista Época do início de 2020 falava que Poemas e Um amor feliz venderam mais de 30 mil exemplares. Entre os poetas brasileiros atuais, o nome de Szymborska se tornou uma referência comum, bastante cultuada e influente. Qual era sua expectativa quando decidiu traduzir Szymborska para o português?

RP – Comecei a traduzir os poemas de que mais gostava para mim mesma, como um passatempo e um exercício de aprendizado da língua. Levei vários anos para reunir 45 poemas. Achava uma pena que essa poesia que me fascinava tanto não fosse acessível a quem não lê em polonês. Ricardo Corona tinha me pedido uns poemas e publicou-os na revista Oroboro em 2005. Esses poemas foram republicados em 2008 num dossiê sobre poesia polonesa no periódico Poesia sempre da Biblioteca Nacional. Rodrigo Garcia Lopes publicou mais alguns poemas inéditos na Coyote em 2008. Pessoas que tinham lido essas traduções me incentivaram a tentar publicar uma coletânea. Finalmente reuni coragem e contatei a Cia. das Letras, que aceitou publicá-la, e assim Poemas foi lançado em 2011. Não tinha nenhuma grande expectativa quanto à recepção do livro. Ter os poemas publicados por uma grande editora já era algo inesperado. As primeiras resenhas entusiasmadas foram uma enorme surpresa.

Cult – Sua tradução da poesia da Szymborska tem sido feita em “camadas”, porque os três livros apresentam cronologicamente poemas de cada um dos livros publicados pela poeta entre 1957 e 2012. Já são 214 poemas traduzidos até aqui, permitindo que o leitor tenha tanto uma perspectiva de conjunto da obra, quanto se aprofunde nas diversas etapas desse percurso. Quais outras camadas de Szymborska ainda estão por revelar?

RP – Szymborska publicou cerca de 350 poemas, então quase dois terços já estão traduzidos. A minha seleção se deveu primeiro a uma preferência pessoal e depois ao grau de dificuldade em traduzir certos efeitos. Se não estou satisfeita com o resultado após várias tentativas, renuncio à tradução do poema. As camadas que faltam? Creio que os dois livros da época stalinista e alguns poemas juvenis. Não sei se serão incluídos quando a obra completa for publicada na Polônia. Pessoalmente acho que não deveriam. Se a poeta os rejeitou ou se optou por não publicar, eu respeitaria a sua vontade.

Cult – O sucesso da poesia de Szymborska tem animado também a tradução de outras obras dela, como as Riminhas para crianças grandes (trad. Piotr Kilanowski e Eneida Favre; editora Âyiné, 2018), com “brincadeiras poéticas” não incluídas nos seus livros principais e cartões com colagens feitas pela poeta. Como você entende o papel dessas “brincadeiras” dentro da obra e do próprio processo criativo de Szymborska?

RP – Essa produção é resultado dos encontros que Szymborska organizava com os amigos nos quais se faziam desafios poéticos criando limeriques e outros versos ligeiros cujo efeito depende da inventividade no jogo dos sons e do ritmo. As colagens que ela fazia de recortes de jornais e revistas eram dadas para os amigos nas datas festivas. Nelas o jogo é entre palavras e imagens. Essas brincadeiras têm em comum com a produção séria o humor, que está presente mesmo nos seus poemas mais sombrios. Não sei o quanto essas brincadeiras poéticas funcionam quando vertidas para outra língua. Acho que o leitor que não sabe polonês poderá dizer melhor que eu.

Cult – Acaba de sair aqui uma biografia da Szymborska, Quinquilharias e recordações, de Anna Bikont e Joanna Szczesna (trad. Eneida Favre; editora Âyiné, 2020). Em uma das resenhas que recebeu, foi anunciada como “A biografia da Nobel que expôs a desilusão com o socialismo em versos” (Veja, 22/07/2020). Na ocasião, você se manifestou dizendo que essa resenha era “uma leitura ideológica que pinça um aspecto da biografia e o hiperboliza, ignorando todo o restante de uma vida longa e de uma produção poética admirável na sua diversidade”. Não se pode desconsiderar, no entanto, que Szymborska nasceu e passou boa parte de sua vida à sombra do totalitarismo (nazista e depois stalinista) e lançou dois livros no período stalinista (em 1952 e 1954), que depois não considerava como parte de sua obra. Entre os leitores poloneses, como é vista essa passagem de sua biografia e essa rejeição dos primeiros livros que lançou?

RP – Quanto à resenha da Veja, eu me referia especificamente a algumas afirmações contidas no texto como, por exemplo, o subtítulo: “Livro narra a vida da polonesa Wislawa Szymborska, que trocou o papel de poeta oficial do comunismo pelo de porta-voz do desencanto com a opressão.” Szymborska nunca foi poeta “oficial” do comunismo e os seus poemas posteriores abrangem uma grande variedade de temas, dos quais a crítica à opressão é apenas uma parte. Sobre a adoção do ideário do partido na época stalinista é necessário refletir sobre o que esse período representou para um escritor. Se não fosse filiado ao partido, não conseguiria publicar e passaria a vida no ostracismo. Se fizesse circular poemas que os órgãos de segurança considerassem “subversivos”, seria preso e mandado para a Sibéria. Jovens artistas que pouco antes tinham vivido os horrores da guerra podem ter se iludido com a promessa de um mundo mais igualitário que a propaganda comunista trazia. O marido de Szymborska, o poeta Adam Włodek, foi por um tempo um entusiasta da nova ordem, mas se desfiliou do partido bem antes de Szymborska, (ele em 1957 e ela em 1966). Após a morte de Stalin, na Polônia houve uma distensão relativa no controle rígido do regime sobre os artistas, o que lhes permitiu expressar uma voz mais individual. Havia a censura, claro, mas eles a driblavam produzindo obras que aludiam à repressão de maneira indireta, camuflada, como ocorreu no Brasil no período da ditadura.

Szymborska é muito cultuada na Polônia. Seus livros sempre venderam bem e as suas leituras de poemas atraíam centenas de pessoas. Entretanto essa recepção calorosa não é unânime. Quando ganhou o Nobel houve muita polêmica em torno da escolha do seu nome. Alguns críticos diziam que Zbigniew Herbert deveria ter sido o escolhido tanto pelo volume e qualidade de seu opus quanto por não ter esse pecado no seu passado de ter pertencido ao partido comunista. Suspeito que por trás dessas críticas há preconceito sobre a poesia escrita por mulheres. Persiste no imaginário coletivo polonês, herdada do Romantismo, a imagem do poeta demiurgo que dá voz à nação. Essa ideia não combina com a figura despretensiosa de Szymborska. O eu lírico dos seus poemas é quase sempre feminino e individualizado; não fala em nome de um povo ou da humanidade.

Após a morte da poeta em 2012 a revelação de que deixara em seu testamento uma determinação para que fosse criado um prêmio anual para jovens escritores com o nome de seu ex-marido Adam Włodek suscitou nova onda de protestos. O governo atual, que vem promovendo uma devassa no passado dos intelectuais, afirma que Włodek teria denunciado um colega ao órgão de segurança do partido comunista que controlava as atividades dos cidadãos. Por causa disso, o Instituto do Livro, instituição governamental que promove eventos literários e traduções de obras, retirou-se da parceria que tinha com a Fundação Szymborska para a concessão do prêmio. Essas polêmicas envolvem disputas político-ideológicas que pouco têm a ver com a literatura.

Cult – Szymborska era bastante reservada, deu pouquíssimas entrevistas e resistiu o quanto foi possível a viagens e badalações literárias. No entanto, é compreensível que seu sucesso desperte curiosidade sobre todos os aspectos (e detalhes) de sua vida e obra. Como você vê a relação entre poesia e vida na obra de Szymborska?

RP – Szymborska acreditava que desnudar a intimidade em público era um pouco como perder a própria alma. Afirmava que tudo que era importante saber de sua vida estava contido nos poemas.  Após a sua morte, a publicação da biografia, das memórias de amigos e de sua correspondência lançaram luz sobre a relação entre vida e obra. Uns dos poemas mais citados, “Gato num apartamento vazio”, foi escrito após a morte do amor de sua vida, Kornel Filipowicz. A dor da ausência é colocada da perspectiva do gato de Filipowicz, que expressa incompreensão e revolta pela ausência dono: “Morrer – isso não se faz a um gato”, diz o primeiro verso. O artifício cria o distanciamento para falar da dor da perda sem sentimentalismo ou páthos. “Despedida a uma paisagem” também é uma elegia a Filipowicz. Nas férias de verão o casal costumava acampar à beira dos lagos da voivodia (província) da Grande Polônia. O poema é uma evocação melancólica da natureza desse lugar que, indiferente à morte, segue o seu curso. Entretanto, não só detalhes da vida pessoal têm relação com a obra. A poeta é filha da sua época e de seu lugar social e sua criação é fruto desse tempo e desse lugar. O contexto histórico no qual viveu esclarece muitas de suas escolhas. Sobre a relação entre vida e obra, concordo com Susan Sontag, que escreveu: “não se pode usar a vida para interpretar a obra, mas se pode usar a obra para interpretar a vida”. A vida de Szymborska, pelo menos aquela que importa, está contida na sua obra.

Cult – Você afirma que, na poesia de Szymborska, “Os temas mais complexos são vazados numa linguagem acessível a qualquer pessoa fluente na língua polonesa”. E que, por isso, seu objetivo nas traduções era dar ao leitor brasileiro um poema que funcionasse da mesma forma – leve, claro, bem humorado, mesmo quando advindo de profundas questões filosóficas, observações políticas agudas, diálogos com a ciência. Talvez por isso, “Traduzir Szymborska é uma atividade lúdica, mas às vezes também um pouco sofrida”. Quais foram os principais desafios nessa passagem de poemas profundamente arraigados numa língua e numa cultura tão distantes da portuguesa/brasileira? E ainda: como foi dividir essa tarefa com outro tradutor, Gabriel Borowski, no livro novo?

RP – A tradução envolve vários desafios. (1) A linguagem: a dificuldade de recriar em português a linguagem de Szymborska, que é coloquial, mas não se desvia da norma culta. O problema, como colocou Mário de Andrade em Macunaíma, é que temos duas línguas na terra: o brasileiro falado e o português escrito. Não obstante a revolução que o Modernismo brasileiro representou, não escapamos da tendência ao rebuscamento no português escrito. Características do “brasileiro” falado que utilizamos no dia a dia sem a menor culpa são vistos como erros na escrita (às vezes é difícil convencer os revisores de que determinadas formas devem ser mantidas mesmo que em desacordo com as prescrições dos gramáticos).  (2) As rimas. Se o poema é rimado, penso que deve rimar também na tradução. Fácil afirmar, difícil de realizar! O recurso de inverter a sintaxe para obter rimas resulta numa linguagem artificial, rebuscada, que os versos de Szymborska absolutamente não têm. (3) As referências a elementos da língua e da cultura popular e erudita. Não tenho como reconhecer muitas dessas referências porque não partilho o repertório cultural dos poloneses. A contribuição de Gabriel Borowski nesse caso foi fundamental. Gabriel foi meu aluno e orientando de mestrado e doutorado na Universidade Jaguielônica e hoje é professor de literatura brasileira e tradução naquela instituição. Ele já tinha me ajudado bastante na revisão dos dois livros anteriores, principalmente do primeiro, Poemas. Sua fluência no português e sensibilidade para a literatura fez dele um excelente parceiro. Eu fiz a primeira versão dos poemas e depois juntos fomos burilando a forma, buscando as palavras mais adequadas, testando rimas.  Eu nunca fico satisfeita com o resultado e não consigo parar de revisar. Gabriel, mais realista, é rigoroso nas revisões, mas não tem a minha neura. Chega um ponto em que temos que nos dar por satisfeitos com o resultado e seguir adiante já que não existe tradução perfeita.

Cult – Além dos poemas, você também traduziu textos em prosa da Szymborska, como as “Leituras não obrigatórias” (Serrote, n. 27, nov/2017) e o “Correio literário” (Piauí, ed. 144, set/2018), que fazem parte de uma produção bastante volumosa para jornais e revistas. Nesses textos, o humor característico dos poemas também atravessa as reflexões que a poeta propõe a partir de livros não literários e perguntas de leitores. O que o conjunto desses textos ensina sobre a poética de Szymborska?

RP – As Leituras não obrigatórias eram crônicas que Szymborska escrevia no periódico Życie Literackie (e mais tarde em outras três publicações). No prefácio à edição completa das Leituras ela explica que o projeto inicial era resenhar livros, mas logo chegou à conclusão de que era uma tarefa enfadonha que não conseguiria executar. Passou então a escrever crônicas divertidas tendo como ponto de partida os livros que chegavam à redação e ninguém queria resenhar: obras “menores”, de popularização da ciência, biografias, memórias, dicionários, almanaques. O vasto leque de temas das crônicas abrange a pré-história humana, a arqueologia. a mitologia, pássaros, insetos, estrelas e galáxias. Lugar especial ocupa a biologia (principalmente a evolução biológica). Podemos observar como Szymborska utiliza esse material nos poemas. O Correio literário era uma coluna do Życie Literackie na qual ela respondia, com humor às vezes ácido, às cartas dos leitores que enviavam seus textos para a revista na esperança de que fossem aceitos para publicação. Na entrevista que abre o livro Correio Literário – ou como se tornar (ou não se tornar) um escritor (2000), ela afirmou que, em retrospecto, via mais diversão do que valor didático na coluna que assinara. Entretanto, das suas respostas aos leitores podemos inferir, sim, algo sobre a sua poética: a sua ojeriza à grandiloquência, à retórica, ao sentimentalismo, ao lugar comum; a rejeição tanto da seriedade excessiva quanto do entusiasmo exagerado e a defesa intransigente do rigor na escrita literária.

Cult – Você acompanha a cena poética polonesa atual? Se sim, que autores você destacaria? A influência da Szymborska é forte entre os mais jovens?

RP – Meu conhecimento de literatura polonesa contemporânea é quase nulo. Li alguns contos de Andrzej Stasiuk e de Olga Tokarczuk (tenho um romance dela na fila das minhas leituras obrigatórias que ultimamente se recusa a diminuir). Dos poetas, li alguma coisa de Adam Zagajewski e Ewa Lipska. Mas como comecei tarde e a vida é breve, tenho concentrado minhas leituras em alguns dos grandes escritores do período entre as duas guerras mundiais, prosadores como Witold Gombrowicz, Bruno Schultz, Jarosław Iwaszkiewicz, Maria Dąbrowska, e Isaac Bashevis Singer (esse último em tradução naturalmente) e poetas como Maria Pawlikowska-Jasnorzewska, Leopold Staff e Julian Tuwim.

Cult – Por fim, você tem outros projetos de tradução da Szymborska? Mais poesia? Mais prosa? E de outros e outras poetas da Polônia?

RP – Parece-me que a prosa já está sendo traduzida pela Eneida Favre para a editora Âyiné. Outros poemas? Não sei. Neste momento o futuro é imponderável. Comecei a traduzir outro poeta que admiro: Tadeusz Różewicz  ̶  um trabalho lento, passo a passo, verso a verso que espero poder terminar. Gostaria que o leitor brasileiro o conhecesse.


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