Tem sentido?

Tem sentido?
(Reprodução)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de abril de 2020 é “quarentena”


Há aproximadamente dois anos venho, timidamente, estudando sobre a pós-modernidade e a identidade cultural na qual, de acordo com Stuart Hall, também pertencemos, submersos nas ondas fragmentadas do que se destaca veloz: nós, inclusive.

Não farei deste texto uma resenha do vasto estudo do culturalista indicado, mas, de suas reflexões globais e pertinentes, sustento o argumento de que, para nós, peças da globalização desenfreada, é, sem dúvidas, um ato de tortura, por vezes, estarmos em período de quarentena devido à pandemia universal do coronavírus.

Somos, competitivamente, mesmo que inconscientemente, treinados para vencer, atendendo a expectativas variadas: do patrão, da família, da empresa, do orientador, do vizinho, dos fantasmas que criamos em nós, de nós mesmos, e por aí vai.

No seio, como quem se alimenta das relações líquidas, nós somos pétalas d’água, flutuantes, em trânsito permanente, mas frágeis, propícios a crises que não estão descritas em nossos manuais de fabricação. Por vezes, servindo-nos apenas para matarmos a sede do outro que exige que sejamos rochas.

E agora, José? Como desacelerar o que nos foi ensinado nas variadas escolas da vida, que é proibido parar? Será que viver ultrapassa, realmente, qualquer entendimento? Se sim, o que estamos fazendo de nossas vidas se não vivê-las como deveríamos?

Há coisas silenciosas que gritam, reorganizam nossas sedes, nossas raízes. Um vírus, por exemplo, ao parar o movimento do nosso ciclo (quase) vital. Um vírus que acendeu o sinal vermelho, causando uma colisão, principalmente, em nós, revelando o óbvio e, ao mesmo tempo, o não aceitável: somos frágeis.

Não somos observadores da natureza. Nós somos peças dela. Metaforicamente, ou não, florescemos, adubamos uns aos outros, auxiliamos para que outros possam florescer, mas também causamos queimadas, intoxicamos jardins vizinhos, poluímos a água que servirá de vida para outras primaveras.

O meu maior exercício nesses dias tem sido observar. Diariamente, a luz do sol tem revelado poesias em minhas paredes, em minha pele. A planta na sala se manifesta, vai crescendo, ganha novas ramificações que sempre estavam ali. Eu só não havia aprendido a enxergar, a admirar as pulsações das vidas que me acompanham, silenciosamente.

Que possamos abrir nossas janelas simultâneas. A natureza, a arte, a vida nos unem de alguma maneira, de toda maneira. Que a poesia de sentirmos a vida em nós nos faça sairmos melhores desse inverso. Há de florescer. Tem sentido? Tem sentido a urgente correnteza da vida? Sintamos!

Victor da Penha Miranda, 28, é formado em Pedagogia e Letras. Mora em Campos dos Goytacazes, RJ.

 

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