Tolerar não, respeitar sim

Tolerar não, respeitar sim
(Foto: Arisa Chattasa via Unsplash)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados pelos leitores são publicados de acordo com um tema. O de janeiro de 2020 é “liberdade de expressão”.


Por Mayra Chacon

Tolerar é um verbo hipócrita porque quando se tolera tem-se subentendido um limite de compreensão e aceitação, e acredito ser esse o nosso grande problema, o limite de cada um e suas tolerâncias respectivamente. 

Quando eu tolero algo,  já coloco um abismo entre o respeito e a opção do outro. Eu não tenho que ser tolerada em nada, tenho que ser respeitada, simples assim. 

De uns tempos pra cá as formas opressoras tem se fortalecido de uma maneira assustadora, apostando em violência verbal e física sem que isso fosse minimamente constrangedor. Pelo contrário, assistimos polarizações de discussões sobre temas que já deveriam estar mumificados na linha cronológica da história porque estão enterradas desde a Idade Média, onde a ignorância do ser humano em evolução permitia atrocidades em nome do poder disfarçado de fé. 

E esse é o detalhe mortal! O poder! O poder é o epicentro de todas as desavenças humanas.

A intolerância religiosa anda de mãos dadas com a opressão às mulheres. A figura feminina é necessária nesse cenário para que exista sustentação do apelo moralista desse tipo de intolerância. As mulheres são usadas nesse projeto. Elas são feitas de escudo para dar apoio  à imagem de força e comando em núcleos de autoritarismo, e elas só tem lugar nesse cenário se forem omissas e submissas.

Vivemos em um grande hospício demarcado. Salvo algumas religiões de origem africana onde as mulheres são ícones de acolhimento, preparo e introdução ao ensinamento religioso.

No Brasil,  o fim da escravidão deixou um rastro de intolerância as religiões  de matrizes africanas, o samba e o carnaval são oriundos da cultura negra e denunciam politicamente na avenida aos olhos do mundo todo o sofrimento dos terreiros com a intolerância religiosa de sua fé. 

A intolerância conduz para que o fiel e não a religião seja o instrumento de violência, são induções ao fanatismo promovendo “religiosamente” aquele que levantar mais alto a bandeira de sua religião. Em lugares onde a educação é precária essas seitas se estabelecem feito água jogada por balde.  E aí misturam-se muitas questões de carência sociais que vão desde a valorização do indivíduo como servo fiel, aumentando sua autoestima no grupo, até a questão da ociosidade e falta de diversão em lugares onde o poder público desconsidera a importância de atenção.

Todos esses elos debruçam-se sobre um patamar onde o que realmente importa vai além da questão religiosa, ou seja, tolerar se torna sinônimo de perder. 

Não suportar, aceitar ou respeitar a pluralidade religiosa está muito além de Deuses e conceitos.  

Hoje adestram-se soldados para o exércitos de intolerantes que vão combater o inimigo tal como em uma guerra. Aliás , já virou guerra . 

Temos que parar de usar o termo intolerância porque ele mascara o fanatismo, o fundamentalismo e o terrorismo. 

Malandramente, líderes religiosos apoiados na “palavra de Deus”, nas técnicas de neurolinguística e  na habilidade da manipulação de massa escolhem regiões de profunda miséria para catequizar fiéis ao apocalipse da intolerância como se quisessem proteger seus territórios no jogo War, dando-lhes em troca  lugar garantido no céu, a promessa de prosperidade e a satisfação de causar agrado a Deus. 

Na verdade, o ser humano não se conforma com a morte e inconscientemente procura respostas para seu fim . E as encontra onde elas não existem, ou seja, criam desejos fundamentados em suposições completamente abstratas para justificar o fim .

E esse caldeirão de utopias e loucuras ferve cozinhando um caldo amargo e quente. 

Independentemente da forma como cada um escolhe se conectar com seu próprio Deus, ou não escolhe nada (no caso dos ateus), é urgente impor regras severas à intolerância . É inadmissível em pleno ano 2020 que ainda se discuta sobre essa assunto tão burro , medieval e apodrecido de nossa sociedade. 

Saravá! Axé! Amém! Namastê! Aleluia!

Mayra Chacon, 50, é escritora, poeta e cozinheira do Rio de Janeiro (RJ).

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