Seydou Keïta, o fotógrafo que registrou a modernidade nascente no oeste da África

Seydou Keïta, o fotógrafo que registrou a modernidade nascente no oeste da África
Bamako (Mali), entre 1948 e 1963; foto de Seydou Keïta (Contemporary African Collection (CAAC)/ The Pigozzi Collection)

 

A partir de 1948, um pequeno estúdio de fotografia começou a funcionar ao lado da estação ferroviária de Bamako, hoje capital e maior cidade do Mali. Por ali passavam, todos os dias, políticos, donos de lojas, funcionários do governo, trabalhadores e pessoas recém-chegadas à cidade.

Todas queriam ser fotografadas por Seydou Keïta (1921-2001). Aos 27 anos, o malinês cobrava 300 francos por um retrato com luz natural, em clique único. Nos quase 15 anos que se seguiram, fez mais de 30 mil retratos da população local, além de nigerianos, marfinenses e burquinenses que transitavam por ali.

Parte dessa imensa produção está em cartaz no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, até 29 de julho. São 136 fotografias de famílias inteiras, pais e filhos, casais, irmãs, homens e mulheres que representavam uma sociedade em transição, na fronteira entre tradição e modernidade.

“Keïta fotografa às vésperas da independência do Mali. São novos tempos e ele entende como as pessoas querem ser vistas”, afirma o coordenador executivo cultural do IMS e curador da mostra Samuel Titan Jr. “Compreende que o momento é outro e introduz variação, movimento, desenho e composição nas imagens, tornando-se um diretor de cena.”

Bamako (Mali), entre 1948 e 1963;  fotos de Seydou Keïta (Contemporary African Collection (CAAC)/The Pigozzi Collection)

Vem daí muito do sucesso do retratista. Em seu estúdio, além de orientar os clientes sobre as melhores poses e expressões, Keïta deixava à disposição dos fregueses um arsenal de objetos e peças como colares, sapatos, ternos e gravatas-borboleta – e até mesmo aparelhos de rádio, carros, bicicletas e ciclomotores.

“Muitas pessoas gostavam de ser fotografadas com esse tipo de coisa”, disse o artista em uma entrevista de 1995. São elementos que remetem à modernidade e até ao próprio mundo colonizador, mas que, longe de representarem sinais de submissão, são parte de um processo de “afirmação de si”, afirma Samuel Titan Jr.

“A fotografia chegou à África junto com a colonização. Foi praticada, sobretudo, por homens brancos e esteve muito ligada à imposição do poder colonial. A geração de Keïta vira o jogo não ao recusar o mundo branco, mas ao convertê-lo em instrumento de suas próprias narrativas”, diz o curador.

Alguns clientes mais velhos que chegavam ao estúdio sentiam medo da câmera, pois acreditavam que podiam ter suas almas roubadas pelo aparelho, ou que o fotógrafo veria seus corpos nus através da lente. “No interior do país, era só pegar minha câmera que todo mundo corria de mim ou me dava as costas.”

Bamako (Mali), entre 1948 e 1963. Foto de Seydou Keïta/ Contemporary African Collection (CAAC) - The Pigozzi Collection
Bamako (Mali), entre 1948 e 1963;  fotos de Seydou Keïta (Contemporary African Collection (CAAC)/The Pigozzi Collection)

Segundo o filósofo e crítico e Jacques Leenhardt, que também assina a curadoria da exposição, os retratos de Keita compõem um dos testemunhos mais importantes da história da fotografia africana.

O artista fechou seu estúdio em 1962 após pressões para se tornar fotógrafo oficial do governo socialista do Mali, então um país independente. Aposentou-se em 1977 e apenas em 1995 teve a sua primeira mostra individual, em Paris, na Fundação Cartier. A partir daí, seu trabalho ganhou museus, galerias e coleções internacionais.

Hoje, influências da sua fotografia aparecem em obras de jovens fotógrafos africanos como Omar Victor Diop, Ibrahima Thiam e Oumou Diarra. Na mostra no Instituto Moreira Salles, há 48 fotos em tiragens vintage, em formato 18×13 – o mesmo que Keita entregava aos seus clientes após dez minutos em seu estúdio.

Seydou Keïta
Onde: Instituto Moreira Salles, av. Paulista, 2424
Quando: até 29 de julho
Quanto: entrada gratuita

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