A quinta-feira gorda dos nanocandidatos ou a tempestade em copo d’água

A quinta-feira gorda dos nanocandidatos ou a tempestade em copo d’água

 

Foi uma Quinta-feira Gorda, sem Carnaval ou Quaresma. Uma animação só no cenário político nacional para a arraia miúda das pré-candidaturas à Presidência da República. Isso tudo porque, embora seja tudo peixe pequeno eleitoral – somando, não dá 10% de intenções de voto -,  são baleias na esfera de visibilidade pública das plataformas digitais e do jornalismo. O fato é que dois movimentos políticos, sem conexão aparente entre si, agitaram as águas da atenção pública.

De um lado, o vai-não-vai do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que desistiu e foi levado a desistir da desistência da sua candidatura presidencial em apenas algumas horas. Ou fingiu tudo isso. Empacado nas pesquisas, sentindo escapar o apoio do partido e, ao mesmo tempo, assistindo a uma conspiração de Aécio Neves e Eduardo Leite para lhe surrupiar o direito adquirido em convenção de ser o candidato da sigla, Doria tentou ou fez finta de desistir do combinado. Ameaçou implodir o projeto de Rodrigo Garcia e deu um susto enorme nos tucanos, cujo maior trunfo político nacional continua sendo o Palácio dos Bandeirantes. Acabou não desistindo, porque não lhe deixaram, não sem grande desgaste e uma sensação de que ele e o partido estão sem norte e vivendo uma enorme síndrome de abstinência como atores decisivos nas eleições presidenciais.

Resta-lhe o consolo de ter tirado um pouco os holofotes do segundo movimento político do dia, protagonizado por Sergio Moro. Moro é um pré-candidato cujo autoconceito é de um homem com realizações espetaculares e adorado pelos brasileiros em função das suas grandes obras-primas políticas: a Operação Lava Jato e a prisão de Lula. E que tem certeza que o mais justo e devido é o povo brasileiro lhe oferecer o cargo mais alto da Nação. Faltou, claro, combinar isso com os eleitores que, não obstante a enorme cobertura favorável e o recall extraordinário do seu nome, não têm demonstrado particular interesse em elegê-lo. Ao contrário.

A campanha de Moro perdeu recentemente um de seus reforços, o MBL, ninja na promoção digital, depois que precisou romper com Mamãe Falei – aquele do áudio sobre as refugiadas ucranianas. Aliás, nessa confusão toda de ontem, o MBL calado estava e calado ficou, como se não tivesse sido grande propagandista do morismo depois que se afastou de Bolsonaro. O ex-juiz e “herói nacional” já vinha perdendo aceleradamente o entusiasmo da força que mais ajudou a construir a sua imagem pública de Xerifão da política nacional, o assim chamado Partido da Redação, os príncipes da opinião no jornalismo político brasileiro. As deserções se acumulam.

Para além dos revezes jurídicos sofridos no STF, e até no STJ, pesou contra Moro a sua própria performance política. O “eterno juiz” simplesmente não consegue elaborar ideias e compreender problemas políticos em um nível sofisticado e complexo, é amador em quase todos os temas sobre os quais é instado a manifestar uma posição e, fora os momentos em que ele fala mal do PT, de Bolsonaro, da política ou da corrupção, não revela qualquer brilho ou relevância.

Na indigência intelectual e moral em que nos encontramos, Moro vende apenas suas glórias passadas, justamente no momento em que suas realizações são postas em xeque. Moro simplesmente é um ótimo estilingue, no momento em que ser presidente é ser vidraça. Algo gira em falso nessa equação e todo mundo já se deu conta disso, exceto o próprio Moro e a sua consorte.

Pois nesta quinta-feira (31), Moro saiu do Podemos, o partido que lhe arrumou Álvaro Dias, o membro mais apaixonado do fã clube da Lava Jato na política institucional brasileira. Por razão de… “pé na bunda”. Nas palavras de Claudio Dantas, do site O Antagonista, o último bastião integralmente lavajatista da imprensa nacional, o ex-ministro de Bolsonaro teria ficado “sem saída” após a dona do partido, a deputada Renata Abreu, com as pesquisas embaixo do braço, pedir-lhe que desistisse dos sonhos de ser presidente. Imagina se é possível dizer uma coisa dessas a um homem com um altíssimo conceito de si, que tem certeza de que o país, para se reconciliar com o seu destino, não só o quer como dele precisa. Foi demais.

Não é só que Moro tenha desistido de ser presidente, ele se mudou para outro partido, a União Brasil, esse que surge da fusão do PSL, de Luciano Bivar, o ex-partido de Bolsonaro, com o DEM, de ACM Neto. Ao que consta, Bivar o quer como candidato à presidência, ACM Neto é relutante. Pelo sim, pelo não, Moro renunciou à sua pré-candidatura, filiou-se ao novo partido de direita e espera que, mais adiante, todo mundo reconheça que ele merece ser presidente da República e não um mero deputado federal. Sabe de nada, inocente.

Tenho comigo a tese de que uma pessoa com tanta certeza de ser um colosso moral e intelectual, com tanta segurança a respeito do amor e do reconhecimento dos brasileiros por suas realizações passadas e pelo que o seu caráter oferece para o futuro, tem que ir até as últimas consequências com a sua candidatura e defender o legado que imagina ser seu. Deveria ser moralmente obrigatório submeter o seu autoconceito ao escrutínio popular nas urnas: ou a sumidade para si mesma se candidata e põe a teste eleitoral a sua grandeza ou admite que, na verdade, era tudo blefe e enganos. O problema da democracia, contudo, é que o mandato presidencial não é disputado em um concurso, mas no voto popular. Um inconveniente fatal para homem tão excelso.

Por outro lado, é curioso que todo o frenesi desta quinta-feira ocorra apenas nas franjas da disputa presidencial. Lula e Bolsonaro seguem o próprio caminho, independentemente das reviravoltas que se dão entre os pigmeus da corrida presidencial.

Da mesma maneira, é pouco provável que as pesquisas venham a registrar grandes alterações nas intenções de voto se Doria desiste ou não, ou se Eduardo Leite ocupa o seu lugar. Nem eles nem o PSDB demonstram a menor capacidade de serem protagonista da campanha à Presidência da República (graças a Aécio). Por sua parte, a União Brasil, que se tornou um partido com gigantesca base parlamentar, terá certamente papel nesta eleição, mas talvez na formação de bancadas parlamentares, como é do feitio da direita fisiológica. Falta-lhe um candidato presidencial de peso, não para que o elejam, mas que ajude a puxar votos para deputados e senadores da legenda. Dificilmente esse cara pode ser Moro ou qualquer um dos nanicos da disputa, a não ser pela mais absoluta falta de opção.

A lição do dia é que o universo dos nanocandidatos até produz enormes vendavais, como nesta quinta, principalmente quando magnificados pelas lentes do jornalismo. O problema é que, no fim das contas, são apenas temporais em copos d’água. O desespero por atenção e intenções de votos é que produz essa sensação shakespeariana de muito barulho por nada.

Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP). Twitter: @willgomes


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