Política vodu – um trocadilho neoliberal para temer

Política vodu – um trocadilho neoliberal para temer

A imagem acima faz parte da sabedoria iconográfica que circula na internet, infelizmente não descobri quem é seu genial autor…

Economia vodu é um termo utilizado por alguns teóricos como David Harvey para falar de um tipo de economia falsa. Podemos falar em Política Vodu para pensar a política falsa, aquela que não tem como objetivo a questão social básica à democracia, mas que serve à economia privada. Toda política tem seu instante ficcional, como tragédia, como farsa, mas no caso da política vodu, está em jogo o conto ou o filme de terror e um enredo macabro. Garantir o papel submisso e servil da política à economia, ela mesma garantia de riqueza para aqueles que detém poder e capital, é fundamental ao seu programa.

A política vodu dá medo. Medo é o seu método. Do genocídio que continua a acontecer em países do mundo (vide a situação do Congo), à tortura e à política de choque econômico nos diversos países da América Latina e na periferia do mundo, vivemos a política como quem assiste a um filme de terror: a próxima cena pode ser pior do que a que acabamos de ver. Apavorados, sabemos que podemos nos tornar personagens. Em certo sentido, as palavras de Maquiavel já enunciavam: se um governante não pode ser amado por seu povo, deve se fazer “temer”.

Falar de política implica falar de atores e falar de vodu implica falar de feitiço e de bonecos que transmitem o feitiço. Estamos diante de uma hibridação que modifica a condição política do personagem. Na política vodu um político não é mais uma pessoa simplesmente. O político vodu é um boneco bizarro. Seu discurso vem do espírito neoliberal que prega a privatização, cortes nos gastos sociais e o fim do papel regulador do Estado na economia. Ele é um sacerdote do medo que aproveita para incrementar os negócios vendendo artefatos de segurança como a “ideologia do terrorismo”.

A função do boneco é também exorcizar o que podemos chamar de demônio democrático. Fala-se contra direitos humanos e contra um comunismo totalmente abstrato para produzir medo quando, na verdade, pretende-se apenas minar o espírito da democracia que de nada serve à economia e à política neoliberal.

“Temer”: um problema neoliberal literal

 Personagens se tornam fundamentais nesse processo. Não é possível não pensar no que podemos chamar de “verdade semiótica” contida no nome do personagem que assumiu como presidente do Brasil no momento do golpe de estado de 2016. “Temer” é um objeto de análise que impressiona como tudo o que é macabro. Além de seu nome ser, dependendo apenas da entonação, um verbo intransitivo: “temer”, o político é associado a dois tipos de personagens: um mordomo de filme de terror, apelido que recebeu de outros políticos, e o próprio Drácula, o vampiro (para José Serra, outro vilão neoliberal, vale a mesma associação). Na sabedoria iconográfica da internet proliferam imagens nessa linha.

Para disfarçar associação tão literal, associação que não pega nada bem em tempos de sociedade do espetáculo na qual a maior parte do capital político de alguém vem de sua imagem. Temer, que deveria assumir no dia 13 de maio, um sexta feira 13, antecipou em um dia a cerimônia para escapar da data. Alguns podem pensar que a antecipação foi meramente burocrática, mas como o campo do imaginário é feito de associações – políticos e publicitários sabem muito bem disso – caso tivesse acontecido, o destino imagético de Temer estaria selado para sempre. Rejeitado pelas urnas, o caixão de vampiro seria o que lhe restaria no cenário democrático.

Por isso, o político, que é um homem já idoso, pouco votado quando foi eleito deputado, tenta em alguns momentos colocar sua bela e jovem mulher, bem como o filho pequeno como figuras protéticas que ajudariam a amenizar a imagem macabra que veio a construir. Que não tenha aparecido nas cerimônias das Olimpíadas do Rio de Janeiro significa apenas que ele mesmo tem medo, ele mesmo esteve a temer as vaias de uma população que não o elegeu. O presidente interino é um trocadilho bizarro, vodu neoliberal, do nome à imagem.

Coluna publicada na Revista CULT de setembro, mas infelizmente, ainda atual

(1) Comentário

  1. Poderia fazer diferente de David Harvey e não reproduzir a palavra vodu para os fins do que quer expressar. Mas não, replica e espraia a ideia para muitos/as de que vodu é maligno. Dentre essas e outras entendemos porque o racismo é estrutural, permeia e constitui nossas relações, está na linguagem e nas expressões de todo o tipo.

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