Pedagogia e poesia: Paulo Freire encontra João Cabral de Melo Neto

Pedagogia e poesia: Paulo Freire encontra João Cabral de Melo Neto
O educador, escritor e filósofo Paulo Freire (Foto: Reprodução)

 

Partindo de Angicos, no Rio Grande do Norte, a pedagogia de Paulo Freire se encontra, pelas veredas dos sertões, com a poesia de João Cabral de Melo Neto no poema e livro homônimo A educação pela pedra, publicado em 1966.

Pedagogia e poesia entrelaçadas pelo vento que bate forte e lidas, à sombra dos angicos (Anadenanthera colubrina), pelas andarilhas mulheres chegadas de Guadix, nas mãos suadas dos anônimos Diadorins, Severinos e  Riobaldos.  Nessa leitura se evidencia:

– que os mares aprendem com os buritizais (Mauritia flexuosa), com os carnaubais (Copernicia prurifera), com os canaviais (Saccharum officinarum) e vice-versa;

–  o ruído do estraçalhar das pedradas atiradas, na exata medida, por quem conhece e enfrenta os açoites do tempo às pinturas rupestres e às plantas tolerantes à dessecação;

-as frestas e travessias que levam do útero aos inselbergs e que os emaranhados das pedras narram os nadas e os vazios do Homo sapiens, como se jardins de Kyoto ou de Sevilha fossem;

as vírgulas, os parênteses, os pontos e vírgulas e as reticências são um auxílio precioso para o embate com os urubus mobilizados que vagueiam (como agentes convictos da opressão) em seus postos subalternos.

Na pedagogia com poesia há o exercício da respiração após o ponto final.  De dentro para fora. De fora para dentro:

– com o pó e a poeira nos cabelos dos rostos desnudados na légua tirana, sob o sol, a indagar: “Quem sabe o que essas pedras em redor estão aquecendo, e que em uma hora vão transformar, de dentro da dureza delas, como pássaro nascido?” Um Acauã (herpetotheres cachinnnans ), um Assum-Preto (Gnorimopsar chopi), um Manuelzinho- da- Crôa ( Claradrius collaris)?

Como pedras que já rolaram pela estrada as pessoas empoeiradas sabem da sangria provocada por um indigesto grão, quando este quebra os dentes dos incautos.

Como rios fugindo da morte da vida em poças, são incapazes de não se expressar em pedras, sem desperdício de precisão. Daí por que falam pouco e devagar (sobre o estar no mundo) com palavras rebuçadas: Pedradas estancam os silêncios.

Na pedagogia (como prática de liberdade) os galos tecem a manhã e ouve-se, aqui e acolá, armoriais, cocoricós, velhas canções e as vozes das árvores calcinadas. A paisagem de ruídos, silêncios e pedras desestabiliza os jantares dos comendadores e transmuta-se em narrativas de resistência cravadas na pele: Até que tudo vire pó…

Marcos Reigota é professor do Programa de pós-graduação em Educação e do colegiado de Filosofia da Universidade de Sorocaba. Pesquisador do CNPq-nível 2.


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