Os brancos dificilmente abrirão mão dos privilégios

Os brancos dificilmente abrirão mão dos privilégios
(Foto: Mídia Ninja)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de março de 2020 é “racismo”


Os negros de todos os lugares já estão fartos da hipocrisia praticada pelos brancos
Malcolm X

Não acredito em benevolência das pessoas brancas quando o assunto é racismo. Ninguém que tenha nascido num sistema que lhe oferece inúmeras vantagens quererá perder essa herança. E mesmo sabendo que existem pessoas buscando contribuir na luta antirracista, observamos atitudes que estão internalizadas e naturalizadas, alimentando as estruturas que dão sustentação ao racismo, e isso tem a ver com a subjetividade de cada indivíduo. Esse espaço íntimo das pessoas tem um caráter complexo, dado que ao longo de cada vivência é contaminado por informações apresentadas por inúmeras fontes, configurando diferentes subjetividades na formação humana. Nesse sentido, as pessoas brancas por não estarem sujeitas à opressão racial desenvolvem uma visão de mundo totalmente distinta das pessoas negras.

A imprensa televisiva é uma fonte de informação que está presente na vida de milhares de pessoas. Ela fornece à subjetividade do seu público um arcabouço de imagens estereotipadas e estigmatizadas da população negra. Isto é tão recorrente que levou muitas pessoas brancas a acreditarem que os qualitativos pejorativos são partes da natureza humana a quem são associados, além disso, os negros também são afetados pelos efeitos perniciosos da conformação da subjetividade com viés racista. Eles assimilam tal condição e colocam limites nos anseios para a busca de uma vida menos desumana. Nesse aspecto, a psicanalista Maria Lúcia da Silva (2017) comenta que “a vivência cotidiana do racismo pode produzir situações traumáticas, que fazem com que o indivíduo, muitas vezes, não consiga sair desse lugar da dor, da angústia, que não consiga compreender o que está acontecendo com ele”.

Soma-se a todas essas questões uma realidade de brutal sofrimento no plano físico. Qualquer análise das condições de vida dos negros aponta analiticamente que os mesmos estão em múltiplas posições marginalizadas, mas raramente presentes nos espaços de decisão e atividades consideradas “nobres”. Isso posto, e ampliando o debate, entendemos que a sociedade brasileira não está evoluída a ponto de compreender que a inexistência de privilégios, de qualquer natureza, beneficia todos os indivíduos. Infelizmente, somos forjados ao longo da vida para acreditar que o merecimento é conjugado com o esforço de cada pessoa. Dessa maneira, ignoramos a gênese da sociedade que colocou os negros distantes da condição de seres humanos e ergueu uma enorme barreira que define as relações raciais.

Por essas considerações, miramos a existência de um complexo desafio em combater o racismo estrutural, já que a condição de desigualdade encontra nos beneficiários a chancela da sua manutenção sem a pretensão de radicalizar uma mudança de paradigma; isso se comprova nas práticas exercidas pelos brancos nos espaços de decisão, pois estão sempre preservando os próprios privilégios. Em virtude disso, não podemos ficar esperando os brancos a minarem esse sistema. Devemos agir causando constrangimento a todos que se aproveitam da condição de sofrimento dos negros, mas que estejamos conscientes de que o racismo extrapola atitudes individuais e exige a concentração no campo político, compreendendo que “o Brasil é uma sociedade em que o racismo é estrutural, isto é, modelou os comportamentos, as atitudes, os pensamentos de uma grande parte das pessoas. Garantiu privilégios maiores ou menores a determinados grupos, mesmo entre as classes subalternizadas”, como esclareceu o professor Dennis de Oliveira (2013).

Ricardo Corrêa é morador da periferia de São Paulo e especialista em Educação Superior

 

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