“O lugar”, de Annie Ernaux, e outras sugestões de leitura

“O lugar”, de Annie Ernaux, e outras sugestões de leitura

 

[não-ficção]

Precursora da autoficção, a escritora francesa mistura história pessoal e sociologia ao empreender uma investigação sobre a vida do próprio pai e suas relações familiares e de classe. A morte do pai, dois meses após a narradora habilitar-se para ser professora no ensino médio, impulsiona-a em direção ao passado de sua família. “Terei que escrever sobre meu pai, sobre a vida dele e sobre essa distância entre nós dois, que teve início em minha adolescência. Uma distância de classe, mas bastante singular, que não pode ser nomeada. Como um amor que se quebrou”,  reflete a narradora.

Primeira biografia de João Gilberto Noll, a obra traz quatro contos inéditos, cartas e trechos do romance inacabado do escritor gaúcho, que faleceu em 2017. Ao longo de quatro anos, o jornalista Flávio Ilha entrevistou familiares e amigos de Noll, além de coletar cartas e documentos pessoais do escritor. Nascido em Porto Alegre em 1946, Noll publicou 19 livros, e foi contemplado pelo Prêmio Jabuti em cinco ocasiões.

Estudo da geógrafa canadense Leslie Kern sobre parâmetros para pensar uma cidade feminista. A autora reflete sobre a relação da mulher com o ambiente urbano e a estruturação das cidades que reforça um modelo patriarcal e reafirma funções sociais segregadas por gênero. Transporte coletivo, segurança, acesso a banheiros públicos, gentrificação, desenho urbano e organização social são alguns dos aspectos analisados no estudo de Kern. Com uma análise interseccional, não deixa de relacionar a cidade patriarcal ao desenvolvimento do capitalismo, e é peremptória ao afirmar “o caráter masculino do capital”.

O pressuposto do livro é criar um espaço de diálogo e informação sobre o racismo, acreditando-o superado apenas por meio da empatia. Comentarista esportivo, Emmanuel Acho escreveu a obra a partir de sua experiência no YouTube, onde respondia a perguntas sobre preconceito e desigualdade social. Filho de imigrantes nigerianos, nascido no Texas, o autor percebeu desde pequeno a estrutura social do racismo, e convida em sua obra o “querido amigo branco ou querida amiga branca” a se sentar e não apenas discutir a questão, mas assumir uma posição antirracista.


[ficção]

Em dois atos, a peça aborda os conflitos de um casal – Ele e Ela – prestes a se divorciar. Através de flashbacks, desvelam-se as origens da crise e suas relações com o momento político do país. Como escreve Maria Sílvia Betti, responsável pela organização do volume, a volta a cenas do passado e a estrutura lírica funcionavam como recursos “para abordar de forma crítica a ética política e comportamental da classe média no pós-1964”. Escrita em 1966, a primeira experimentação lírica do dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho só foi descoberta em 1984, quando foi publicada e encenada.

Leitor de poesia e grande estudioso de Fernando Pessoa, o autor faz sua estreia na poesia. Nas palavras do escritor Marcos Catalão, o título remete à “essência da experiência, ao seu centro, ao seu caroço”, em um processo orgânico de “longa maturação” do verso e “lento convívio com cada palavra”. Em um de seus poemas, percebe-se o processo cabralino de composição, no qual a própria linguagem é limada até o irredutível: “Ressequido galho,/ desconsolado,/ vai sugando humo,/ fazendo sumo,/ derramando sombra/ — assim o corpo”.

De autoria incerta, o livro narra as andanças perversas e libidinais de  Encólpio e seu namorado, Gitão, pelo sul da Itália. Contendas com comerciantes, profanação de templos e fugas improváveis são algumas situações que enfrentam. Atribuído a Tito Petrônio Árbitro, um membro da corte do imperador Nero entre 62 e 66 d.C., o livro pode ser considerado uma sátira do mundo latino ao retratar um “universo miserável e corrupto”, nas palavras do tradutor Cláudio Aquati. Completam a edição textos de Tácito, Marcel Schwob e Raymond Queneau sobre o Satíricon.

Os poemas de Acesa  parecem “escorrer/ incontido”, como em um de seus versos. Em seu segundo livro, a escritora mineira traz poemas eróticos que fluem incontidos em todas as direções: “Um dia/ comi melancia/ na chuva/ num sítio/ na praia/ de rio// tudo molhado”, inclusive o “olhar molhado” de outro poema. Uma poesia “grudada à pele”, “seus versos vão pousando no mundo aos poucos, como um dia não tem pressa de ser outro. E se enfileiram suavemente, como numa brincadeira de escorregar do barro até o rio”, nas palavras de Cris Guerra, que assina o prefácio.

 


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