Privado: O desespero de pensar a política na sociedade do espetáculo

Privado: O desespero de pensar a política na sociedade do espetáculo

Pia Afundando, de Kurt Kranz (Foto: Reprodução)

Se a propaganda de carro nos promete o dom da liberdade absoluta e não entrega, a propaganda política não vai ser mais diligente na entrega de suas promessas simbólicas 

Francisco Fianco

O século 20, com os movimentos totalitários de diversas correntes e o desenvolvimento da tecnologia de comunicação de massa, possibilitou a fusão de dois campos até então apenas levemente relacionados: o da estética e o da política. Em outras palavras, nos fez refletir sobre as possibilidades e consequências da politizada da estética e da estetização da política. A primeira vez que me falaram disso (sim, foi a Márcia Tiburi), achei muito estranho e fiquei encabulado de dizer que não fazia a mínima ideia do que era, mas acho que hoje já posso tentar pelo menos explicar. Embora possa não ter entendido ainda, que fique claro.

É que a gente é sempre muito ingênuo se quisermos pensar as categorias diversas que compõem a nossa sociedade de forma fragmentada, como se as coisas estivessem separadas. E esse fenômeno é ainda mais verdadeiro se pensarmos a relação entre mídia, que é uma área eminentemente estética, e política.

Mídia é estética porque não é científica nem filosófica. Não é científica porque não tem que estar sempre mostrando as evidências que comprovam o seu discurso, não é filosófica porque não indaga, apenas afirma. E é estética porque o seu poder de convencimento, a sua força de verdade e autoridade, passa por categorias do entendimento humano que estão pautadas na sensibilidade e não na racionalidade.

Ou seja, a mídia nos convence de coisas, constrói a nossa própria noção de realidade, de tanto que nós a observamos no nosso dia a dia, da mesma forma que uma obra de arte nos emociona, de forma irracional. Ou, se preferirem, através das livres associações inconscientes que fazem com que as memórias suscitadas pelo que a mídia passa sejam carregadas de afeto, por mais que estes não possam ser explicados. A mídia nos influencia por imagens, e não por argumentos. Imagens que podem ser diretamente associadas ao conceito de imago da psicanálise freudiana, de representação fantasmática introjetada, e, por isso, a sua enorme força de convencimento e autoridade. Seja um quadro que nos emociona, ou um filme que nos permite catarse e identificação projetiva com o personagem, ou mesmo a propaganda, que nos promete o gozo inatingível através do consumo do produto, estamos sempre sendo esteticamente conduzidos. A lugar nenhum, claro, mas estamos.

Já Stendhal, no seu livro enorme e chatíssimo sobre o amor, dizia que a beleza é uma promessa de felicidade que nunca se cumprirá. Mas essas categorias da arte são mentiras que não se pretendem mais do que mentiras, são elaboradas como mentira, como fantasia, dessa forma são propagandeadas, dessa forma são consumidas, reside no sujeito, se é que se pode chamar assim, a responsabilidade por dotar estas fantasias do poder da realidade. Com a mídia a coisa é bem diferente. Ela repassa interpretações dos fatos, portanto, fantasia, com a aura de serem a representação fidedigna da verdade. E, nesse sentido,  vai ser sempre manipulatória, seja para um lado, seja para o outro, já que nosso país tem uma visão simplista demais pra perceber a complexidade da realidade e insiste nesta organização infantil esquizoparanoide de dividir tudo entre os mocinhos e os bandidos. Aliás, ela será manipulatória justamente porque é feita por pessoas, e não uma entidade impessoal, por mais que ela gostasse de ser, e as pessoas são tendenciosas, tem preconceitos, jogam pelo seu time, são ignorantes e burras, senão mesmo maliciosas e desonestas.

Isso significa que o nosso jogo político, em um país de pessoas sem cultura suficiente para estabelecer uma relação crítica com todo o processo da administração da máquina pública, que é complexa justamente para não ser entendida, que propicia uma educação simplista justamente para não ser nunca criticada, nosso jogo político, portanto, vai se alimentar de imagens, e não mais de ideologias como nos saudosos tempos da modernidade sólida.

Se a propaganda de carro nos promete o dom da liberdade absoluta e não entrega, a propaganda política não vai ser mais diligente na entrega de suas promessas simbólicas, mesmo porque ela se alimenta das mesmas categorias de discurso messiânico e soteriológico que a religião, outra grande área de venda de castelos no ar, mas isso é outra história, a despeito da suruba religioso-jurídica que temos e que seria impensável em um estado verdadeiramente laico. E sério.

Francisco Fianco é doutor em Filosofia e professor da Universidade de Passo Fundo

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