Nunca antes na história deste país houve uma eleição tão importante

Nunca antes na história deste país houve uma eleição tão importante
The future, Richard Vergez (Divulgação)

 

Nunca antes na história deste país tivemos uma eleição tão importante. Nunca antes as escolhas foram tão claras. E nunca antes a gravidade do que está em jogo foi tão profunda. Uma breve digressão histórica pode nos ajudar a perceber tais fatos.

É certo que ainda que nosso recorde histórico seja mais marcado pela ausência do que presença de efetiva mobilização social, claros posicionamentos ideológicos e probidade dos pleitos; tivemos, sim, uma história política marcada por polarizações periódicas caracterizadas, muitas vezes, pela ameaça da desestabilização do próprio jogo eleitoral. Mas ainda assim, nada equivalente ao que vivemos hoje.

O regime republicano instaurado em 1889 era pautado mais por acordos de gabinete entre líderes políticos regionais do que, de fato, por campanhas eleitorais mobilizadoras de partes significativas da população. O fato de que somente cerca de 5% da população pudesse votar certamente consagrava a lógica oligárquica da República Velha. Ainda assim, a Campanha Civilista de Ruy Barbosa demonstraria os limites de tais pactos. Embora tenha havido uma importante mobilização eleitoral entre as classes médias urbanas, o contraste entre os candidatos em oposição era mais de estilo do que de substância, já que ambos partilhavam da lógica política da época.

Quando da emergência da chamada Quarta República (1945-1964), após a experiência autoritária do Estado Novo, números crescentes de eleitores seriam incorporados ao sistema político, e diferenças entre projetos partidários passariam a ser mais evidentes. Ainda assim, as plataformas eleitorais se diferenciavam em aspectos –  às vezes de essência, às vezes de grau (por exemplo, o papel do capital estrangeiro no desenvolvimento) –, mas não na rejeição do próprio jogo democrático, com exceção dos golpistas de plantão, como Carlos Lacerda.

Em 1945, Dutra ganharia a eleição contra outro militar, o Brigadeiro Eduardo Gomes, mas suas visões de Estado e país não eram excludentes. E ainda que nas eleições de Vargas, em 1950, e JK, em 1955, houvesse diferenças mais claras entre suas propostas e as da UDN, a competividade democrática e participação popular eram ampliadas ao longo do processo.

Mesmo na fatídica eleição de 1960, quando João Goulart e Jânio Quadros foram eleitos por partidos diferentes, a polarização era mais fruto do contexto ideológico-partidário do que de profundas diferenças entre as plataformas eleitorais dos principais candidatos. De fato, havia uma concordância ampla em torno da agenda desenvolvimentista do período, embora houvesse discordâncias sobre os meios de implementação da mesma.

Após a trágica experiência de um dos mais longos regimes militares de toda a região ao longo da Guerra Fria, quando não havia eleições presidenciais, e as existentes eram fortemente tuteladas pelo regime, conseguimos a duras penas, mas ainda assim de maneira excessivamente negociada, retornar ao jogo democrática, ainda que de maneira gradual e monitorada, ao longo da década de 1980.

Tivemos, no final da década, uma das eleições mais marcantes da história. Mas embora o contexto eleitoral de 1989 tenha efetivamente dividido o país, especialmente no segundo turno, e o ambiente ideológico mundial estivesse fortemente impactado pela queda do muro de Berlim, Lula e Collor não repudiavam o próprio processo eleitoral e a legitimidade da nascente democracia de então, ainda que suas divergências fossem claras.

Essa trajetória se consolidou quando das repetidas disputas entre PT e PSDB ao longo 20 anos seguintes. Se diferenças eram visíveis entre as agendas de cada partido, muito da escolha entre os candidatos era feita com base na trajetória de cada um, e quando da administração do partido vencedor, essas diferenças acabavam sendo, em linhas gerais, mais de grau do que de essência.

Isto tudo mudou  em 2014. Não no próprio processo eleitoral, mas imediatamente após, quando Aécio Neves se recusou a aceitar sua derrota e começa a mobilizar o país para, de maneira ilegítima e golpista, forçar a defenestração da líder democraticamente eleita.

Os capítulos seguintes são de conhecimento de todos. Mas cabe ressaltar dois pontos: com democracia não se brinca e a atual crise política, pautada pela ascensão de valores autoritários, intolerantes, e proto-fascistas tem raízes nessa irresponsável e anti-democrática postura dos partidos do chamado Centrão, sob a liderança do que poderia ter sido um efetivo partido social-democrata, o PSDB.

Chegamos assim ao que pode ser considerada a eleição mais importante da história brasileira. Como vimos, tivemos polarizações anteriores. Mas nunca no sentido de termos, via processo eleitoral, a escolha de um candidato representante do próprio sentimento e valores anti-democráticos, que pode romper de vez com o que ainda resta da democracia entre nós, caso seja eleito.

Se há algo de menos trágico da nossa atual conjuntura é seu aspecto pedagógico, qual seja, nunca antes as escolhas foram tão claras. De um lado, temos a possibilidade de reconstruir a própria lógica democrática via a seleção de um projeto inclusivo, soberano e, acima de tudo, fruto da mobilização social de amplos setores sociais, portanto progressista e democrático. De outro lado se coloca o abismo. Trata-se aí da possibilidade real de termos na cadeira presidencial um representante genuíno das forças mais autoritárias, retrógradas, intolerantes e agressivas do país, prontas que estão para implementar uma política anti-popular de terra arrasada, seja no âmbito econômico, político, social, cultural, ou moral, que dará inveja aos apoiadores do Golpe de 1964.

Temos, pois, nos dias de hoje, por motivos de síntese  –  e embora os termos da escolha tenham sido corretamente questionados ao longo dos últimos anos – uma escolha entre Civilização e Democracia, de um lado, e a Barbárie, a Violência e o Caos, do outro.

Como responderemos a tal escolha definirá não somente o resultado eleitoral do próximo mês, mas também, e fundamentalmente, quem somos hoje e seremos no futuro: uma nação, democrática ou uma enorme Casa Grande.


RAFAEL R. IORIS é professor da Universidade de Denver e autor do livro Qual desenvolvimento? Os debates, sentidos e lições da era desenvolvimentista (2017)

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