Nem só os democratas irão à luta neste domingo

Nem só os democratas irão à luta neste domingo

 

Nem só os democratas sairão de casa neste domingo. Enquanto a gente pensa em como os votos populares podem mudar a face do país, empurrando-o ao abismo autocrático ou trazendo-o de volta aos rumos seguros da democracia, no domingo também irá à luta um monte de gente interessada em manter um projeto de poder político a qualquer custo.

As suas estratégias incluem três objetivos: espalhar o medo dos seus adversários mediante a satanização dos que lhes parecem ser um obstáculo aos seus propósitos, espalhar uma infame e mal-intencionada descrença na lisura do processo eleitoral e nas instituições que a garantem e, enfim, sabotar de alguma forma as eleições, não importa como.

Os pesquisadores do submundo da política digital já detectamos movimentos planejados para este domingo exatamente com o propósito de, em primeiro lugar, atacar pesadamente a credibilidade das urnas eletrônicas a fim de gerar a sensação de que uma derrota do próprio candidato só poderia acontecer por meio de fraude eleitoral.

Vimos como essa tática funcionou em 2018, com vídeos e áudios de pretensas testemunhas de fraude. Nas primeiras horas do domingo do primeiro turno daquele ano, os grupos de WhatsApp foram inundados por áudios histéricos de pessoas que “denunciavam”, em tom de urgência, que o Governo da Bahia havia, por exemplo, impedido os policiais de votarem. Ou que quando se apertava o 17 nas urnas aparecia a foto do candidato do PT. Tudo falso. Mas se vimos isso em 2018, quando as pesquisas já indicavam a eleição do candidato da extrema-direita, como não as veríamos de novo este ano, quando as projeções apontam para a sua derrota? Estejam preparados.

Além disso, no nosso radar apareceu a insistência em mentiras, invenções e supostos complôs envolvendo os adversários de outros partidos, mas também o TSE, os mesários, o jornalismo e as empresas de pesquisas de opinião. O “mesário esquerdista contratado pelo TSE” que ficará com a guarda do seu celular é o alvo do momento. As campanhas de suspeição sobre os mesários, aos quais os gabinetes de ódio orientam que não se deve entregar os telefones, são a narrativa de conspiração da vez, e com grande potencial de geral confusão nas sessões eleitorais. Outra inovação são os pedidos de foto dos votos e dos QR-Codes para “apurações paralelas”. Não caiam nem deixem as pessoas caírem nessas armadilhas, que fazem parte de estratégias maliciosas para tumultuar o processo eleitoral, plantar a ideia de uma conspiração universal contra uma determinada candidatura e, é claro, alimentar propósitos loucos e antidemocráticos.

Vota-se neste domingo com medo, angústia e esperança. A esperança de muitos fundamenta-se na expectativa de dar um fim a essa agonia. As pessoas estão exaustas, ansiosas e querem encerrar essa aflição, se possível no domingo mesmo. Nem querem sutilezas demais, só pôr um fim no pesadelo.

A angústia e o medo dizem respeito ao que o domingo nos reserva, antes que os votos sejam apurados. Ou à reação dos vencidos. A violência física, que termina em sangue derramado ou morte, voltou a nos assombrar depois de décadas reprimida pela civilização eleitoral. Há um número demasiado grande de pessoas armadas, estimuladas à regressão por uma cultura da virilidade primitiva e, o que é pior, essas pessoas estão frustradas e tensas.

Há uma facção política que acreditou na própria mitologia de que é o sal da terra e a luz do mundo, cercado de trevas por todos os lados, sendo seu destino moral resistir contra o Mal que a circunda. E há líderes perversos que disfarçam em grandes discursos morais e narrativas épicas grandiosas o que é só apetite pelo poder, proteção do próprio ninho e esforço para acumular o máximo de grana possível às custas da enganação das massas. Reúnem-se, portanto, alguns dos elementos necessários para no mínimo nos deixar todos inquietos neste domingo.

Mas resistiremos. E diremos às urnas que face queremos dar a este país. Enquanto houver urnas que expressem fielmente a vontade da maioria e instituições que protejam a nossa liberdade de consciência, a democracia sempre terá esperança. Tenham um bom voto, meus amigos, e corações ao alto.

Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)


> Assine a Cult. A mais longeva revista de cultura do Brasil precisa de você. 

Deixe o seu comentário

TV Cult