Um painel histórico com as mesmas gravuras

Um painel histórico com as mesmas gravuras
(Foto: David Pisnoy via Unsplash)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados pelos leitores são publicados de acordo com um tema. O de janeiro de 2020 é “liberdade de expressão”.


Por Mayra Chacon

O ser humano histórica e ciclicamente destrói para construir, constrói para destruir, evolui para dominar, domina para acumular e acumula para dominar…

Da mais rica nação à mais enferma economicamente, em um olhar isento de preconceitos, enxergamos a mesma psicopatia que é a necessidade de domínio sobre o outro.

Arrastamos a história mundial em um mar de sangue, de guerras e batalhas porque não conseguimos dividir, aceitar e entender sobre individualidades pessoais e coletivas. 

A história nos mostra o tempo todo que evoluímos a custa de vidas sacrificadas que lutaram quase que pelo mesmo objetivo, o direito à liberdade e ao respeito de exercer sua individualidade social dentro de um ambiente coletivo acolhedor.

A luta do ser humano passa pelo poder econômico que tem como pilar a liberdade.  Erroneamente o ser humano domina para ser livre, a liberdade está diretamente ligada ao poder. O poder dominante escraviza de todas as formas, e o dominado luta por. 

Sua liberdade.

 E vivemos assim correndo atrás de nosso rabo desde que o mundo é mundo.

Há pouquíssimo tempo, registramos em nossa historia escravidão, cruzadas, inquisição, holocausto, terrorismo e ditaduras com os mesmos objetivos, dominar a liberdade alheia.

E isso me causa imensa curiosidade. 

Porque o meu semelhante não pode ser diferente de mim?

Onde surgiu esse impulso? 

Em que momento de nossa evolução nos deixamos levar por esse sentimento aflitivo de excluir quem é diferente de nós.

O que em nossa formação como indivíduo nos fez crer e nos faz rejeitar o que difere de nós?

Explodimos na teoria da repressão de Freud para liberdade intensa e líquida de Bauman, porém continuamos adoecidos e sem equilíbrio. Esse descontentamento humano deságua em necessidade de expressão. Somos filhos das artes. Ela é quem conduz o inconsciente social e talvez exatamente por isso seja repelida por algumas pessoas. A arte tem a capacidade de expor intimamente o que nem sempre é aceito por questões ideológicas ou religiosas, e com isso atrai para si movimentos de repressão irracionais e radicais. O grande problema é que de um lado temos a aceitação do indivíduo em sua total liberdade, e do outro lado à negação desse individualismo à custa de muita violência e repressão.  

Em pleno ano 2020 falamos das mesmas lutas com diferentes argumentos.

Mas estamos caminhando para um mundo livre das amarras das opiniões, mesmo assustados por questões de solidão e medo, encontramo-nos diante de um portal virtual onde ouvimos e falamos o que instiga nossa vontade protegidos pelo anonimato e por leis embrionárias. Com isso, temos tribos virtuais. E mais uma vez, unidos por grupos cada um tem em seu meio o que convém ver e ouvir atacando o que possa ser diferente. A luta do mais forte continua.

A boa notícia é que agora estamos de igual para igual.

As artes e o jornalismo encantadoramente abduzem e esclarecem multidões sobre o direito a liberdade pessoal, social e religiosa.

Viver nesse fio de navalha é o que aguça essa necessidade real de expressarmos nosso eu interior, de expor o que de melhor e pior carrega cada um de nós e com isso fazer brilhar a individualidade. A liberdade de expressão tem lugar em nossa sociedade.

Mas será que eu, Mayra, tenho o direito à liberdade de expressão? 

Depende.

Depende de onde eu estiver da minha pátria, da minha cor, da minha opção sexual e do meu lugar de fala.

Eu posso até me expressar, mas preciso ser ouvida para que a mensagem se complete. E isso é que dá o link para que possamos exercer a  nossa liberdade de expressão. Eu falarei até que alguém se interesse ou não pelas minhas palavras, mas as jogarei para o mundo, as arrancarei de dentro de mim e as deixarei serem livres por aí, por que essa é forma como eu me expresso. 

Mas é quase que uma receita culinária onde misturamos ingredientes para o preparo de um quitute.   

Sou o que sou porque alguém teve a liberdade de escrever uma peça, um poema, pintar um grafite, um quadro, uma foto…

E até que alguém entenda e aceite vou procurar a agenda de blocos de rua desse carnaval para encontrar minha tribo e desfrutar da imensa liberdade da minha expressão.

Mayra Chacon, 50, é escritora, poeta e cozinheira do Rio de Janeiro (RJ).

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