Rasgue seus rótulos

Rasgue seus rótulos
Bandeiras que representam a comunidade LGBT, uma das que não tem total liberdade de expressão (Foto: Teddy Österblom via Unsplash)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados pelos leitores são publicados de acordo com um tema. O de janeiro de 2020 é “liberdade de expressão”. 


Por Felipe Roberto Martins

A Liberdade de Expressão começa pelo direito de ser quem você é, do jeito que você quiser ser, em todos os lugares. E o tema da Revista Cult de janeiro de 2020 na Seção “Lugar de Fala” me fez lembrar a escritora Clarice Lispector, nas gloriosas palavras “Eu queria uma Liberdade Olímpica.”

Será que somos nós mesmos – em nossas totalidades e humanidades – em todos os lugares de fala?

O livro A Cor Púpura da autora estadunidense Alice Walker publicado em 1982 expõe a potência e o poder da liberdade em suas multiplicidades de expressões necessárias. Há também o filme de 1985 dirigido por Steven Spielberg com Oprah Winfrey e uma interpretação inesquecível da atriz Whoopi Goldberg.

Para quem tem o direito da liberdade de expressão garantido e o vive, talvez seja difícil compreender este papo.

Direitos no Brasil, especificamente no momento, são diamantes para poucos bem escolhidos, diga-se de passagem.

Sendo homossexual, afirmo que não temos o direito de ser quem somos, do jeito que queremos ou desejamos, em todos os lugares de fala.

Temos no papel, na teoria. Na prática as coisas são bem diferentes e todas e todos sabemos.

Então, temos sim diversas pessoas que não têm o direito à Liberdade de Expressão, em especial no Brasil e na América Latina por exemplo:

> cidadãs/ cidadãos periféric@s;
> indígenas;
> LGBTQIA+;
> mulheres;
> mulheres negras;
> negros;
> pobres.

Ainda, esqueci de citar todas e todos os trabalhadores explorados neste universo neoliberal que não é a saída que não possuem total liberdade de expressão.

O mais intrigante é que quando as minorias citadas têm voz e vez, hoje em dia, os “cidadãos de bem” se sentem ofendidos!

Há várias situações para contextualizar.

Tive uma colega que perdeu o emprego por ser lésbica. Na época não compreendeu, após alguns anos ficou claro; o único motivo que teria feito perder o trabalho era o fato de ser lésbica. Não processou por medo de ficar “queimada” no mercado e não conseguir se recolocar.

Num escritório que trabalhei em Mogi das Cruzes, Grande São Paulo, o dono “tirou sarro” – hoje crime – uma vez de mim por ser (na opinião dele) afeminado. Foi sutil, como se isto fosse ofensivo para mim. Sendo ou não, cadê a minha liberdade de expressão? Aliás, o chocante é que nesta “pseudo” empresa, destes “empreendedores” eu não era registrado, trabalhava mais de nove horas por dia, não recebia quase nenhum direito trabalhista como 13º, férias… e depois de tudo, ainda ser humilhado (mais ainda).

Assustador. É retrato ampliado do Brasil… Numa outra empresa em Mogi, me ofereceram metade de um salário mínimo para trabalhar mais de nove horas por dia, sem almoço, sem vale-transporte e sem carteira assinada…

Estas situações para lá de criminosas devem ter sido oferecidas pelas pessoas hoje ditas “pessoas de bem”… só pode ser!

Numa escola pública estadual que estudei por uma semana em Ribeirão Preto, interior de SP, fui vítima de homofobia (a gente não usava este termo) e fui ajudado por uma professora maravilhosa chamada Hosana. Dona Hosana protegeu minha liberdade de expressão e meu lugar de fala quando eu ainda não compreendia a representação de tudo isto e me apresentou pessoas fantásticas, amig@s que tenho até hoje: Adriana, Monica, Celiana e Paulo.

A colega de um irmão na década de 90 perdeu emprego por causa de uma tatuagem em São José dos Campos, interior de São Paulo. Foi o que o médico do trabalho disse para ela ao terminar o processo seletivo, é uma empresa transnacional, na época a gente chamava de multinacional. Tatuagens fazem parte da personalidade de alguém, é sim liberdade de expressão, isto não pode ser motivo para não contratar alguém.

Para a comunidade bissexual então é complexo, acredito eu…, já escutei heterossexuais, homossexuais, outr@s da sigla que não existe bissexual!

Veja só, chegamos no ponto onde outras pessoas, fora dos nossos corpos e mentes, desejam decidir o que é correto para os nossos corpos, mentes e vidas. Desejam decidir nossos destinos psíquicos e físicos – não só desejam, como se deixarmos, fazem sua opinião prevalecer.

É como se a gente se acostumasse. São pequenas retaliações que, por fim, se tornam grandes e cortam de vez as nossas liberdades. Somos treinados para se acostumar sistematicamente. Lembrou-me o caso da Bienal do Rio em 2019 e o recente caso do Especial de Natal do Canal  Porta dos Fundos na Netflix.

Travestis e transexuais, quando saem dos “rótulos” postos e impostos pela sociedade, ainda é são choque para muita gente e estamos no século 21 (é o que a gente acha…)

Em 2020, Lana Hellen foi barrada num banheiro de um shopping em Maceió, Alagoas, faz pouquíssimos dias.

Querem barrar a liberdade de expressão de ir ao banheiro, imagine o que querem de verdade?

Rótulos são contra a liberdade de expressão. Te convido hoje a rasgar todos os rótulos, agora.

Felipe Roberto Martins tem 35 anos e é professor de língua portuguesa, literatura e comunicação profissional em Suzano (SP).

 

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