Livrarias em alta; bancas em baixa

Livrarias em alta; bancas em baixa

No mercado brasileiro, caem dramaticamente as vendas dos gibis nos jornaleiros. A questão: como se formará o futuro público adulto dos álbuns?

Quando o Brasil vivia sob a ditadura militar na década de 1970, dizia-se que as histórias em quadrinhos tinham um papel importante no processo de alienação das massas. Assim como os filmes de pornochanchadas, o gibi distraía, tirava a atenção dos problemas do país nas horas de lazer de leitores. Nunca se vendeu tanto. Tio Patinhas, da Editora Abril, tirava mais de 500 exemplares por mês. O Pato Donald, perto de 350 mil. Hoje, esses mesmos títulos não passam de 30 mil por edição. Há cinco anos, Maurício de Souza somava três milhões de revistas por mês. Em 2007, caiu a um terço. Os super-heróis, que circulavam com até 150 mil exemplares por mês na década de 1980, sobrevivem com 20 mil.

Por que, então, os jornais e as revistas falam tanto de quadrinhos, destacam lançamentos em suas páginas de livros? Por que tantos sites de informação ou de culto aos artistas? As histórias em quadrinhos vivem no país atualmente duas realidades bem distintas. Uma, a das livrarias. Outra, a das bancas de jornal. Dois mundos distantes em que poucas pessoas freqüentam ambos. O primeiro nunca esteve tão bem, em franca expansão. O segundo passa por sua maior crise desde o início da indústria dos gibis no país, em 1934, quando o editor Adolfo Aizen lançou o Suplemento Infantil.

Se no passado existiram grandes editoras como Brasil-América (Aizen), O Cruzeiro (Assis Chateaubriand), RGE/Globo (Roberto Marinho) e Abril (Victor Civita), somente as duas últimas continuam em atividade, porém distantes da expressividade que tiveram até os anos de 1980. As três maiores em atividade nas bancas têm menos de dez anos: Conrad, especializada em mangás (quadrinhos japoneses); Mythos, que se dedica principalmente a faroeste, e a multinacional italiana Panini, que detém os direitos dos super-heróis Marvel e DC e acabou de adquirir o passe de Maurício de Souza com a Turma da Mônica, que ficou quase 20 anos na Globo.

Assim como em outros países, os pontos especializados em quadrinhos e livrarias fazem a festa de quem tem poder aquisitivo para comprar álbuns de luxo, com capa dura e impresso em papel especial. Algumas editoras vivem exclusivamente desse segmento, como a Ópera Graphica e a Devir – a Conrad também é forte no setor. A Ópera é especializada em livros teóricos – impressos em formato “gigante” e capa especial – e no resgate de quadrinhos clássicos, além de ter recuperado nos últimos anos autores brasileiros que estavam esquecidos. Com atuação nos mercados de Portugal, Espanha e Itália, a brasileira Devir publica o que se poderia chamar de o melhor da produção independente norte-americana, além de uma linha de autores nacionais de destaque – Angeli, Laerte, Fernando Gonsales, Lourenço Mutarelli e Júlio Shimamoto, dentre outros. Linha parecida é a da Pixel e da HQManiacs.

Os chamados quadrinhos para livraria também têm atraído as grandes editoras de livros em geral. Companhia das Letras, Jorge Zahar, Ediouro e Rocco são algumas das que já dispõem de um catálogo razoável de lançamentos. A Companhia das Letras publica, no momento, a série de 24 volumes de As aventuras de Tintin, do belga Hergé, e acaba de mandar para as livrarias o quarto volume de Persépolis, da iraniana Marjane Satrapi. Outros autores de seu elenco são os cultuados Will Eisner e Art Spiegelman. O otimismo do mercado trouxe de volta a gaúcha L&PM, que ficou conhecida na década de 1980 pela coleção com mais de cem volumes em formato álbum com clássicos dos quadrinhos norte-americanos, europeus e brasileiros. A série Pocket já soma mais de 30 títulos.

A crise nos quadrinhos de banca tem mais que ver com o problema de criatividade, que afeta tanto o universo dos super-heróis quanto o das revistas infantis nos últimos 15 anos. E está menos relacionada a novas mídias como internet, games, desenhos animados, DVD, RPG etc., ao contrário do que afirmam alguns estudiosos. Nesse sentido, existe um descompasso entre o mercado de quadrinhos e as versões dos super-heróis no cinema – que não conseguem estimular a entrada de novos leitores.

No centro do debate, um ponto parece fundamental: não se cria leitor de quadrinhos quando adulto. O consumidor de gibis adquire o hábito na infância e o preserva quando cresce. Pelo menos assim acontece com a maioria. Se o segmento de banca não pára de encolher, quem consumirá, em longo prazo, os quadrinhos das livrarias? Essa é a discussão que parece imediata.

Gonçalo Jr.
é crítico e roteirista de quadrinhos, autor de Biblioteca dos quadrinhos (Ópera Graphica) dentre outros

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