A liberdade de expressão em conjuntura do eu, mulher no Brasil

A liberdade de expressão em conjuntura do eu, mulher no Brasil
(Foto: Alexis Brown via Unsplash)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados pelos leitores são publicados de acordo com um tema. O de janeiro de 2020 é “liberdade de expressão”.


Por Viviane Ferreira Santiago

Minha liberdade de expressão é engolida a seco toda vez que sou
interrompida em minha propriedade de fala artística, feminina, materna e humana.

Prisões decimais de signos linguísticos transvertidos de direitos
constitucionais não cumpridos quando nasce-se com uma vagina entre os meios. Meios que serão abusados, alargados aos gritos de apropriação indébita de tudo que é meu. Isso, impreterivelmente inclui meu direito a fala. Fala essa que berra socorro diante de uma sociedade retrógrada que me algema as cordas vocais e me cala.

Minha redenção vem da força do feminino que exala do corpo estendido
por séculos nesse chão que o homem pisa, o sistema samba e me chama para ouvir meus gemidos da dor do parto enquanto afaga meu cabelo e aperta minha mão depois de ter milenarmente abortado minha voz e, enterrado meus fetos em toda bancada, plateia ou palanque que eu atreva me subir em busca da ressurreição.

Minha liberdade de expressão retoma o que me foi roubado
quando, ainda que a duras penas, me intitulo escritora. Dona das palavras
minhas, delas e do mundo inteiro.

Censurada, menosprezada e denegrida por possuir em minhas mãos o
poder de ser livre para expressar-me através da escrita todo mal que me vem sendo arremessado sobre as costas. De qualquer modo, sigo. Falando sobre o que me convém, rebatendo aqueles que olham meu discurso e redigir com desdém, ódio e medo de que eu simplesmente FALE.

Todas as mulheres da minha família eram poetas.
Uma a uma engoliram suas palavras, e
ficaram mudas com o passar do tempo.
Assim morreram
todas.

Por isso, grito.
Escrevo o que te aflige.
Toma um gole de Montilla,
me engolir a seco é
indigesto.

Viviane Ferreira Santiago, 36, é jornalista e escritora de Ferraz de Vasconcelos (SP).

 

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