A jaca dura e a angústia do tolo que se achou esperto

A jaca dura e a angústia do tolo que se achou esperto

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de dezembro de 2021 é “angústia”


Vocês perceberam como o número de pessoas nas ruas cresceu nos últimos meses?

Não me refiro aos poucos espaços públicos de convivência que temos ou às indiferenças às restrições da pandemia.

Me refiro a gente, de osso e carne, suplicando ajuda, vasculhando lixo, vendendo bugigangas, fazendo verdadeiros malabarismos para sobreviver.

Idosos a carregar um mar de latas a preço rio, mães, crianças, jovens, bebês nacionais, venezuelanos também.

Nós, eu e você, fizemos algo realmente notável. Nos acostumamos à mendicância! Nos tornamos, sim, de uma forma ou de outra, cúmplices da desigualdade.

O desvio ligeiro do olhar ou o opaco vidro do carro não são capazes de nos fazerem ocultos a nós mesmo… no fundo sabemos que algo está muito errado! Não os meritocráticos, claro.

Hoje, me ofereceram jaca dura no sinal. Perguntei o preço, não apenas porque queria confirmar que os caroços cozidos na pressão têm sabor de pinhão, mas por acreditar que poderia ajudar.

Me surpreendeu o valor. Neguei. Segunda oferta, não sucessivo. Sinal verde, duas bandejas me acompanharam pelo preço da primeira.

Poucos metros depois, percebi que não queria realmente ajudar, mas satisfazer tão apenas uma necessidade minha. Era imperativo retornar, renegociar e conhecer Seu Antônio, que não lucrou nem mesmo 4 reais com a primeira venda.

Ora, se era para ajudar, por que não pagar o preço inicial? Era menos desproporcional ao que se paga por uma cerveja, em que barganha não é opcional.

Retornei um pouco aliviado, por ainda perceber algo errado; por não ser “meritocrático” e, como blasfemador, por compartilhar o mesmo futuro dos que “acreditam” na estória dos camelôs e das agulhas.

Mas, isso é uma outra estória…

Ao final, pouco importa se Antônio é Seu ou Meu. Ele só não pode ser invisível… para nós!

 

Ubiratan Camara, 38, é de Cidade Campina Grande, Paraíba.
É servidor público.

 

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