Inquietações em tempos de insônia, de Leonardo Tonus

Inquietações em tempos de insônia, de Leonardo Tonus
O escritor e professor Leonardo Tonus (Foto: Divulgação)

 

“O homem que não dorme se recusa mais ou menos conscientemente a confiar no fluxo das coisas”, disse Marguerite Yourcenar sobre a insônia, fábrica de pensamentos e, nesse novo livro de Leonardo Tonus, inquietação em pleno exercício. É o móbile das “coisas que são sempre vésperas” como ele dirá nesse universo de palavras clarividentes ditas na ironia fina de um “lugar de falha”.

Na poesia de Tonus não se trata simplesmente de não dormir, como não se trata de não ver ou não ouvir, não pensar ou não sentir. Não são as negatividades que gritam no oco do mundo onde ele nos situa. É existir, é esse verbo tão familiar quanto inquietante que se faz carne nas palavras do poeta a pensar tanto, do “investigador de silêncios” que ele é em sua “dança das línguas”. É ele que vem salvar a palavra “abandonada no meio-fio” ou que vem simplesmente existir pelos que esqueceram onde estão enquanto se desenvolve a aventura de viver. É ele que está atento sempre, mesmo no simples ato que lhe permite “singrar a quietude das pedras de casa”.

Esse verbo que é carne também é pele e lembra palavras de um outro poeta de lonas densas e véus translúcidos como Valéry. É o mais profundo dos órgãos que nesse tecido de palavras se faz “mais do corpo/ do que músculos e veias/sou um acúmulo de verbos,/uma vida (des)finitiva/ sem preposições.”

Há um saber na vida “(des) finitiva”, mais uma vida severina a explicar insistentemente o que foi descoberto no percurso de um testemunho. O que não será percebido sem atenção à “palavra escavada pelas goivas do tempo”.

É a poesia que chega além da tentativa, quando a lucidez se define em seu momento de espanto, o que veremos agora.

Mas a lucidez, enfrentamento e confronto, desafio e fato, potência e ato, divide espaço com uma errância quase natural: “desapropriado/ daquilo que é resto,” o sujeito da poesia é também criança, está perdido e encontra uma casa. A morada agora é o livro.

E para nossa surpresa, é o desafio da alteridade que está nesse livro sendo levado a sério e, dialeticamente, intensificado. A solidão de um “corpo sustenido/no vazio” atravessa o tempo até chegar ao outro. O outro, quem ele é? O próximo, o amor, o mundo, o sexo, o corpo e de algum modo, não somos nós também esse outro que agora, perplexo, lê seu livro como um espelho em abismo?

Gratidão a Leonardo Tonus por nos ajudar a sonhar “a vertigem do tempo azul”, sem medo de que a vida possa ser também “o espaço oco da palavra” e, por isso mesmo, algo que vale todo o esforço de nossos corpos-espíritos. Em tempos mortos, mais ainda.

Inquietações em tempos de insônia
Leonardo Tonus
Editora Nós
72 páginas

Leia a coluna de Marcia Tiburi às quartas, quinzenalmente, no site da CULT

Deixe o seu comentário

TV Cult