Bandeira, me envia o mapa de teu planeta

Bandeira, me envia o mapa de teu planeta
(Reprodução)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de abril de 2020 é “quarentena”


Estou farta das ações comedidas
De nossa política mal coordenada
Bandeira, me envia o mapa de teu planeta.

Vou-me embora pra Pasárgada!
Vou-me embora pra Pasárgada!

Lá da Tamarineira, ouço o coaxar
em Brasília
Síndrome respiratória aguda grave ou “gripezinha”?
Isolamento seletivo ou ampliado?
Saúde ou economia?

Os sapos pulam desnorteados no Palácio do
Planalto.

“Tá faltando humildade. CADÊ MINHA CANETA?”
berra o sapo-militar.
O Brasil ficou apreensivo.
O sapo-médico foi demitido?
“Foi?”—“Foi?!”— “Não foi!”
O sapo-médico continua na Esplanada dos
Ministérios.
Por enquanto.

Febre. Dispneia e dor no peito.
A vida que poderia ter sido salva se a maioria
tivesse ficado em casa.
Cof, cof, cof.

No mundo, já são mais de 100 mil mortes pela
Covid-19.

Nos hospitais improvisados, mandou chamar o
doutor.
—Nã-não con-siii-go rees-pi-raarr
—Quanto está a saturação?
—Depressa! Depressa! Prepare a intubação!

Em trinta e três anos, nunca vi tanto desalento e pranto, Manuel.
Sem esperar tua resposta
Eu faço esta carta como quem ora.

Pai Nosso que estais nos Céus
Perdoai as nossas ofensas de todo jaez
Livrai-nos de todo orgulho e egoísmo
Não nos deixeis cair em tentação mais uma vez.

O pão nosso de cada dia
Aprenderemos a dividir.
Venha a nós o vosso Reino de fraternidade.
Seja feita a vossa vontade
pois ainda não aprendemos o que pedir.

Assim eu quereria minha última crônica-poema.
Que fosse uma irônica crítica política dessa
pandemia
E que tivesse a beleza de uma prece sincera
capaz de vigorar o ânimo e a coragem
que nos exige a Vida.

Ah, que assim seja, Bandeira
Que assim seja.

Com todo o lirismo que resiste em mim,
Elaine.

 

Elaine Souza, 33, é médica psiquiatra em Recife (PE)

 

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