“Dilúvio das almas”, de Tito Leite, e outros lançamentos

“Dilúvio das almas”, de Tito Leite, e outros lançamentos

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Na voz que se destaca: Leonardo, protagonista que retorna a sua cidade situada no Nordeste e percorre um labirinto de descaminhos em um ambiente semiárido, envolto em uma trajetória de privações passadas, elucubrações solitárias e um devir repleto de coragem que guia seus passos a encontros inusitados.

Nesse romance de estreia do poeta, monge beneditino e prosador Tito Leite, logo de saída, nota-se que o autor aposta alto em apresentar ao leitor uma prosa que costura distintos tons que perpassam o poético: “Um som machuca meu cérebro. Assemelha-se a uma orquestra desafinada tocando a Nona sinfonia”, o realismo cru e cenas de violência das personagens. Excessos conscientes do uso da linguagem são tensionados nos dizeres filosóficos e líricos, “Um homem de rotina é um animal previsível”, que vão de encontro a um passado de reverberações, sintetizadas na aridez dos diálogos e na memória que se move de forma inquieta.

O extremo de situações brutalizadas se emaranha em cenas da narrativa. Uma memória que se despedaça, como se estivéssemos acompanhando um filme na sala de cinema, e fossemos jogados de um lado para outro pela história que exige, em cortes abruptos, atenção redobrada às citações que permeiam a poética de passagens centrais do romance e as reflexões de cunho filosófico.

O protagonista de Dilúvio das almas repensa e retorna ao universo que criou para si e à sua relação com esse espaço primordial, que é o ambiente de partida, e de antigos valores, e laços que são retomados entre fatos de grande violência. O horror não tem trégua porque é inerente à experiência presente. Como se a ideia fosse sempre ir além do esperado, dos “descaminhos”, Tito deixa claro também que tem como essencial em sua narrativa contar uma história que prenda o leitor pela dinâmica hibrida das vozes.

Leonardo, entre os seres de seu criador conduz de forma audaz as rédeas de suas decisões, que se avolumam no decorrer da ficção se entrelaçando à destruição da existência de distintas personagens e de seus desejos latentes. Tito em seu livro privilegia a primeira pessoa, a enxurrada de uma voz que em seus movimentos mostra sensibilidade, estreitamentos existenciais, profunda dicção imagética e compreensão do concreto estabelecido no dia a dia de quem vive na falta. Dilúvio das almas retoma uma tradição de narrativas centradas no ambiente nordestino e o atualiza pensando o contemporâneo, as tensões da linguagem em sua pluralidade. Há marcas histórico-sociais, que reverberam no manejo de Tito Leite narrar, que é vigoroso e nem um pouco benévolo.

Marcelo Torres publicou os livros de poesia Vertigem de Telhados (2015), nadar em cima da rua (2015), Páthos de fecundação e silêncio (2017), Poemas tímidos e gelatinosos (2019), Saindo sem avisar/Voltando sem saber de onde (2020) e Tu és isto e mais dez mil coisas (2022). É um dos criadores do Canal Clóe de Poesia e da Editora Clóe.


por Redação

Reunião de ensaios de uma das maiores especialistas em Walter Benjamin no Brasil, a obra tem como tema central a relação do pensamento filosófico diante da tradição mito-poética. Para a autora, o pensador alemão estaria entre os filósofos que levaram mais longe a conexão entre filosofia e poesia, sem, no entanto, reduzir uma à outra. Como escreve Ernani Chaves na orelha do livro, Patrícia Lavelle demonstra como a dimensão poética do pensamento do Benjamin é indissociável de sua “reflexão sobre a linguagem, sobre a materialidade da linguagem, para ser mais exato, de tal modo que um pensamento por ‘imagens’ não paira no éter ou no vazio, mas se apresenta em formas concretas e historicamente situadas”. Acompanhando o próprio estilo de Benjamin, a autora também não se prende em uma linguagem acadêmica, mas emprega “uma linguagem que roça o poético”, ainda nas palavras de Chaves.

No livro de estreia da poeta gaúcha Lolita Campani Beretta, encontramos uma voz lírica que “se coloca em tensão, no embate entre o corpo e a alma, entre a suavidade extrema e a violência contundente que perpassam matéria e espírito, registrando a experiência plural que circula dentro e fora do ser”, como bem observa o poeta Heitor Ferraz na orelha da obra. Esses pares antitéticos se expressam em duas imagens centrais de sua poética: “facas, plumas”, título do poema que abre Dispersar todo sonho. Entre o eu e o outro, o corte fundo da faca e a leveza da pluma, a autora tece uma investigação poética da memória, do afeto, do corpo, do êxtase e da liberdade, constituindo o que Janaina Leite intitula “um autorretrato-não-convicto”.

A perda dos pais aos nove anos é o ponto de partida do romance de estreia do psicanalista Ricardo Hirata, em um processo de investigação da própria formação subjetiva. Ao mesmo tempo que é personagem, narrador e autor, Ricardo Hirata também ocupa os papéis de filho, pai e psicanalista, em uma história que revisita seu passado e remonta uma vida a partir dos fragmentos. Assim, “o leitor é convidado a participar do íntimo percurso de atribuição de sentido que se faz à medida que os muitos tempos contaminam-se e modificam-se, desembocando em um dispositivo multiplicador de futuros”, nas palavras de Carolina Zuppo Abed, que assina a orelha de O órfão na estante. Para Abed, o romance cria, nesse movimento, “pontos de contato entre o passado e o possível”.


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