Karol Conka: ‘Sabotage precisa ser lembrado na história da música brasileira’

Karol Conka: ‘Sabotage precisa ser lembrado na história da música brasileira’
Karol Conka na capa do single 'Cabeça de Nego', composição de Sabotage (Marcio Simnch)

 

Na semana em que o rapper Sabotage completaria 45 anos, um respiro: Cabeça de Nego, uma de suas composições mais emblemáticas, ganha nova versão na voz da cantora Karol Conka. Com lançamento nas plataformas digitais na sexta (6), a gravação é uma homenagem de Karol para o MC que, depois de fazer sucesso com seu único disco solo, Rap é Compromisso! (2000), e com diversas parcerias dentro do rap, foi assassinado em janeiro de 2003.

Cabeça de Nego é uma música muito forte. Desde a primeira vez que a ouvi, adolescente, sempre senti uma vontade de dar um abraço no Sabota. É como se eu conseguisse dar esse abraço agora, por meio da música”, diz Karol, que vê no MC uma inspiração: “Tanto ele quanto eu sempre quisemos expandir o rap, englobar outros estilos, sair do lugar-comum”.

A composição, originalmente gravada em 2002, fazia parte do disco Coleção Nacional, uma coletânea de rap do selo Instituto, dos produtores Tejo Damasceno e Rica Amabis – que não só estão por trás da gravação de Karol como também participaram da composição original ao lado de Sabotage. Na nova versão, que tem “influências do reggae”, nas palavras de Karol, o grupo contou também com a ajuda do produtor Boss in Drama (Péricles Martins, responsável pelo segundo disco da cantora, Ambulante, com lançamento previsto para este semestre).

Além de repaginar Cabeça de Nego, Karol presta homenagem a Sabotage na capa do single, que traz um retrato da cantora inspirado na clássica fotografia do MC: alto contraste, quase monocromática, mostrando o músico com olhar fixo e cabelos em tranças esticadas para cima – ambas clicadas pelo mesmo fotógrafo, Marcio Simnch.

Sabotage por Marcio Simnch
Sabotage clicado por Marcio Simnch: referência usada na capa do single de Karol Conka

O cenário escolhido para a gravação do clipe, o bairro do Boqueirão, em São Paulo, também reverencia o músico: era ali que Sabotage morava. “Durante as gravações na quebrada do Sabota, as pessoas me abordaram, muitas lembravam de quando ele gravou clipes lá. Ao mesmo tempo, ouvi minhas músicas sendo tocadas em algumas casas. Acho que tem uma continuidade boa aí”, afirma a cantora, que escolheu a mesma produtora do rapper, a Gullane, para seu vídeo.

Gravar uma canção de Sabotage sempre esteve entre os planos de Karol. Ela conta que escolheu Cabeça de nego porque, para ela, seria a música que “mais mostra a versatilidade” do MC: “É um sambinha com espírito de rap, não é aquele rap tradicional, pesadão”.

Ela lembra que, quando mais nova, passou a gostar de Sabotage justamente quando o ouviu afirmar, em uma entrevista, que ouvia Sandy e Júnior: “Achei aquilo o máximo. Sabe, ele gravou com o Sepultura [a canção Black steel in the hour of chaos, em 2002] e com o Charlie Brown Jr.[Marginal Alado, 2000], não tinha amarras musicais. Isso mostra quem Sabota era e quem os rappers podem ser: não precisamos ser durões o tempo todo. Podemos curtir diversos ritmos”.

 

Além da falta de rótulos musicais que permeia a rima de Sabotage, Cabeça de Nego tem uma letra poderosa, uma espécie de ode à negritude combinada à crítica social, típica tanto do rap quanto do samba: “Nego não pára no tempo/ Teve um tormento, a dor que é forte, se sentiu lá dentro/ Maracutaia lá do norte, o mano vai viver/ Maracutaia segue a seco um dia irá chover”, diz um dos versos. “É uma música que dialoga muito com os dias de hoje; fala que a gente não pode parar no tempo, que por mais que a gente sinta a dor que a vida traz, temos que seguir com muita força”, diz a cantora.

Nascido Mauro Mateus dos Santos, em 1973, Sabotage começou a vida no mundo do crime logo na infância. Foi interno da antiga FEBEM (atual Fundação Casa) e também traficante – mas, mais tarde, encontrou no rap uma saída. Seu único disco solo, que traz as icônicas Rap é Compromisso! e Respeito é pra quem tem, vendeu quase 2 milhões de cópias e alavancou sua carreira, levando-o a parcerias com RZO, SP Funk, Rappin’ Hood e muitos outros nomes importantes do rap. Sabotage fez, ainda, parte de dois filmes: O Invasor (2002) e Carandiru (2003). Em janeiro de 2003, dez anos após largar a vida no crime, ele foi alvejado em seu próprio bairro por quatro tiros – e morreu no hospital naquele mesmo dia.

“Sabotage deixa para a gente o exemplo de resistência, de que a gente precisa falar de sofrimento. Mas, ao mesmo tempo, ele dizia que não tinha tempo de falar de sofrimento o tempo inteiro – ele queria ter forças para pensar soluções, também”, afirma Karol. “Acho que ele precisa ser lembrado não só no rap, mas na história da música brasileira”, conclui.

 

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