Cartas inéditas de Caio F. Abreu são reunidas em duas novas publicações

Cartas inéditas de Caio F. Abreu são reunidas em duas novas publicações

O escritor, jornalista e dramaturgo gaúcho Caio Fernando Abreu (Foto: Claudio Etges)

Amanda Massuela

Caio Fernando Abreu gostava de escrever cartas quase na mesma medida em que detestava falar ao telefone. Escrevia freneticamente: para elogiar o novo livro de uma colega, contar da recém adquirida rotina saudável, da mudança para São Paulo, de seu vício em solidão. Despachava até seis envelopes por dia, e nunca descartava os que chegavam pelo correio.

Neste mês, duas novas publicações engrossam o volume de correspondências que se tornam acessíveis a outros leitores, e não apenas aos destinatários originais pretendidos pelo autor gaúcho.

Pela e-galáxia sai, nesta segunda (12), uma reedição em e-book de Cartas: Caio Fernando Abreu, organizada por Italo Moriconi com o acréscimo de cartas e cartões inéditos cedidos por Marcos Breda e Stella Miranda. Na quinta (15), acontece o lançamento de Numa hora assim escura, a paixão literária de Caio F. e Hilda Hilst, em que a jornalista Paula Dip reúne as mensagens trocadas entre Caio e sua interlocutora mais “perene”.

“Além de ensiná-lo a ter disciplina no árduo trabalho de escritura de seus livros, Hilda trocava muitas ideias com Caio; discutiam temas literários importantes, eram críticos, liam muito e comentavam textos”, conta a autora.

Caio se mudou para a Casa do Sol aos 19 anos, ainda um “menino” em início de carreira. Ali, Hilda o ajudou a se tornar um escritor. “Ele foi seu assistente, secretário, amigo, confidente e eles se influenciaram mutuamente. Tinham muito em comum, além de fumarem mil cigarros por dia e adorarem contatos imediatos de terceiro grau, eram dois místicos que se consideravam malditos”, afirma Dip.

Caio F. Abreu e Paula Dip (Foto: xxxx)
Caio F. Abreu e Paula Dip (Foto: Arquivo Pessoal/Paula Dip)

As cartas publicadas no livro da jornalista estavam em posse do poeta baiano Antonio Nahud Jr., que morou na casa de Hilda em 1992 e, naquele ano, impediu que a escritora destruísse todas as cartas de Caio depois de uma briga entre os dois.

Nahud ficou os escritos prometendo devolvê-los a Hilda no momento em que ela os quisesse de volta, mas a autora nunca quis. Em meados de 2009, o poeta ofereceu o material à Paula, que o havia entrevistado para o livro Para sempre teu, Caio F. (2009). “Eu disse que ficava com todas, paguei em três prestações e as cartas chegaram em três vezes. Foi uma emoção.”

Para Italo Moriconi, não há dúvida de que Hilda foi uma das interlocutoras mais importantes do autor de Morangos mofados, fundamental para a formação e o amadurecimento “tanto do Caio escritor quanto do Caio pessoa”.

“Os estudos literários e culturais brasileiros ainda estão devendo uma abordagem simultaneamente crítica, analítica e histórica das obras e personagens marcados pelo cenáculo que foi a Casa do Sol. O trabalho de Paula Dip fornece preciosos subsídios para isso”, afirma.

No livro organizado por ele – um catatau de 550 páginas -, Caio se corresponde com sua família e com amigos como Maria Adelaide Amaral, Jacqueline Cantore, João Silvério Trevisan, Luciano Alabarse e a própria Hilda Hilst.

O conjunto das cartas constituem uma narrativa fragmentária que, segundo Moriconi, constrói o romance de uma vida: o começo da carreira profissional como jornalista, a mudança para o Rio em 1969, para São Paulo em 1978, as viagens ao exterior e os primeiros livros publicados.

Nas cartas inéditas cedidas pelo ator Marcos Breda, Caio “exterioriza seu lado gay de maneira muito tranquila e também divertida”, diz Moriconi. “É uma linda relação [de amizade entre os dois] de muito afeto, confiança e ausência total de preconceito de parte a parte.”

A grande quantidade de correspondências que Caio escreveu às pessoas que o cercavam reflete a “necessidade enorme de comunicação afetiva” do autor, de acordo com organizador. “Sua pulsão por cartas tinha um caráter eminentemente pessoal. Diferente de um Mário de Andrade, que escrevia cartas movido por certo furor pedagógico.”

Fac-símile de carta enviada por Caio à Hilda Hilst, em 1975
Fac-símile de carta enviada por Caio à Hilda Hilst, em 1975

Moriconi diz que há ainda outras cartas inéditas em posse de seus destinatários, já que a eles, Caio pedia que guardassem suas mensagens como espécie de herança.

“Nós nos escrevemos dezenas de cartas. Não sei se você guardou as minhas como guardei as suas. Se você guardou, uma ideia — após a minha morte, claro — é você publicá-las. Vamos que eu me torne um mito literário (melancolicamente póstumo…). De qualquer forma, se você as tem, são suas. É a minha herança para você”, escreveu a Lucienne Samôr em 1995.

Na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio, há 46 correspondências passivas doadas pelo escritor à crítica e pesquisadora Flora Süssekind, a quem também pediu que publicasse as cartas enviadas à poeta Ana Cristina César em uma “edição discreta”.

Com Paula Dip, de quem era amigo e confidente, combinou que suas mensagens destinadas a ela chegariam a outros leitores. “Ele fez a minha cabeça, abriu meus olhos para os livros, para a escrita, para um jeito novo de olhar a vida”, diz. “O professor Luis Augusto Fischer, da UFRGS, acredita que as cartas de Caio se olhadas com a distância adequada, têm a mesma importância dos contos, crônicas, romances e peças dele. Funcionam como um documento da sua geração.”

O autor morreu em 25 de fevereiro de 1996, aos 47, pouco mais de dois anos após ter descoberto ser portador do vírus HIV – final que previu aos 35, mas que, segundo Moriconi, “não quis roteirizar por antecedência”.

CapaCartasCaioGRDCARTAS
Caio Fernando Abreu
Org.: Italo Moriconi
e-galáxia
550 págs. – R$19,90

 

626546_numa-hora-assim-escura-744767_l1_636149681134522000Numa hora assim escura
A paixão literária de Caio F. e Hilda Hilst
Org.: Paula Dip
José Olympio
160 págs. – R$ 59,90

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