As vozes emergentes no mundo pós-Covid 19

As vozes emergentes no mundo pós-Covid 19
(Reprodução)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de maio de 2020 é “quarentena”


Hoje é 28 de abril de 2020 e o isolamento social já foi incorporado à minha rotina. A tríade acordar-produzir-descansar já não se faz tão metódica e nem necessariamente nessa ordem. Tento conservar minha saúde mental para não ver debilitada a saúde das instituições para as quais tanto devo quem sou atualmente e, por esse motivo, continuo as ininterruptas leituras e produzindo material para ser publicado. Hoje acordei e fui para lugar nenhum. Nem espaço para descrever a distância entre mim e eu mesma eu encontro. Continuo em processo de autodomesticação e mantendo a índole dentro dos sistemáticos cubículos dos incômodos de minha casa, agora praticamente reorganizada. A pandemia do novo coronavírus ocasionou meu corte decisivo com a perda de tempo útil perdido nas mesmas velhas coisas: pesquisas irrelevantes no Google para enganar a insônia, tentativas de superar o medo do porvir, mastigação da rotina desgastada e mal digerida. Ocupo-me em desfazer antigos hábitos e ser ousada o suficiente para renovar comportamentos e atitudes.

O uso que faço das palavras agora é mais decisivo e menos rigoroso. O universo infinito das palavras me permite a ressignificação do sentido plural das coisas todas. O controle das palavras leva-me a reordená-las em minha cartilha agramatical, a única sem restrições de circulação na vida pública. As palavras por mim compartilhadas nunca ficarão em “zero absoluto”, ao contrário das letras mortas contidas em certos documentos históricos aos quais muitos não tiveram acesso. Tudo o que deixo escrito a respeito da Covid-19, da gestão do meu tempo e da nova rotina agora para mim estabelecida são apenas uma parte de meus relatos produzidos a partir da pandemia. Não tenho pretensões de elaborar uma tese da configuração do mundo pós-Covid. Este é incerto e a visão construída por mim a respeito do assunto está baseada em suposições e em evidências de uma sociedade alicerçada mais em perguntas do que em respostas.

Penso que a experiência desta pandemia vivida pelo coletivo é um fato narrado em inúmeras pessoas e as implicações daí decorrentes enriquecem muito os prováveis modelos de pensamento emergentes pós-Covid e nenhum modelo explicativo será superior ao outro. Vou aprender a conviver com experiências diversas das minhas e incorporar das mesmas o que me for necessário. Antes de ouvir as experiências do outro terei de reconstruir as minhas próprias e esse processo parece não ser tão consistente quando se tem uma quantidade grande de informações e a maioria delas baseada ainda em suposições ou fatos isolados do cotidiano. São narrativas de vários tipos de vozes que pouca estabilidade trazem. Acredito que a gestão do meu tempo útil deve ser pensada também a partir do reconhecimento dessas narrativas inorgânicas e cheias de questionamentos a respeito da pandemia.

Não critico a pluralidade de vozes em si, mas saber de onde elas emergem e com qual finalidade parece fazer toda a diferença no enfrentamento do assunto. Romper com modelos prontos de pensamento para refletir a vida coletiva fora de modelos já existentes não é fácil, principalmente quando há a inconsistência e a incompatibilidade de informações a respeito da Covid-19 e de seu impacto na reorganização social e dos novos sistemas de pensamento. Deverei estar pronta para a análise das discordâncias resultantes desse período de mudanças onde serão criadas novas ideias, crenças e ações de combate à doença em questão.

Toda a situação relacionada à Covid-19 parece gerar uma expectativa sem precedentes e quando muitas vozes dialogam com a finalidade de pensar um futuro distanciado da especulação, ganhamos espaço para abolir ideias inconsistentes a respeito da pandemia. Não defendo o estabelecimento de um discurso único e sim o espaço para o debate de argumentos plurais consolidados a partir da construção de conhecimentos teóricos pautados em aprendizagens significativas e não simplistas da condição humana em tempos de pandemia. Meu senso comum me diz que o bom senso deve prevalecer no debate coletivo a respeito das implicações do novo coronavírus para nossas vidas.

 

Rosa Acassia Luizari é membro da Academia de Artes,
Ciências e Letras do Brasil (ACILBRAS), colaboradora
das revistas Caderno Literário Pragmatha, Avessa,
Literalivre, Evidenciarte, Revista de Poesia da Editora Trevo,
Brasil Nikkei Bungaku e Desvario

 

Deixe o seu comentário

TV Cult